Síndrome da inconsequência
RUY CASTRO
FOLHA DE SÃO PAULO - 16/03/11
RIO DE JANEIRO - O filme, de 1979, todo mundo viu ou assistiu depois, pela TV: "A Síndrome da China". Um engenheiro, uma repórter e um cinegrafista (Jack Lemmon, Jane Fonda, Michael Douglas) denunciam um acidente numa usina nuclear na Califórnia: um abalo quase imperceptível expôs o núcleo do reator, provocando um superaquecimento capaz de fundi-lo e romper a proteção de aço e concreto, gerando um calor que pode atravessar a crosta do planeta, explodir e espalhar radiação.
Era ficção, mas sobre uma hipótese com certa base científica: a de que esse calor, mais elevado que o do centro da Terra, teria força para derreter tudo e mergulhar tão fundo que chegaria ao outro lado -no caso dos EUA, à China. Daí a expressão "síndrome da China". No caso atual do Japão, cuja tragédia estamos vivendo, o "outro lado" da Terra é... o Brasil.
Por sorte, não todo o Brasil, que é bem grandinho, mas partes dele, o que já seria tragédia suficiente. Tudo indica, no entanto, que não será necessário correr para os abrigos. Se os cientistas garantem ser possível conter a "síndrome da China" antes que ela se consume, o mesmo se daria com uma presumível "síndrome do Japão".
Não é à toa que a maioria das usinas nucleares fica à beira-mar. Os engenheiros já parecem contar com a água do mar para a eventualidade de terem de esfriar rapidamente o núcleo -vide as nossas próprias usinas, em Angra. No filme, as cenas mais dramáticas são as de Jack Lemmon medindo o nível de água necessário para esfriar o bicho.
Os leigos temos apenas de aceitar que, por qualquer motivo -como um tremor-, o famoso núcleo ganhe vida, ferva, fuja ao controle e contamine tudo em volta. Difícil é entender por que essas usinas são construídas justamente em lugares sujeitos a calamidades, como os terremotos, os tsunamis e a inconsequência humana.
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