A presidente e o vice-presidente
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
FOLHA DE SÃO PAULO - 16/03/11
Não votei em Dilma, mas me impressiono positivamente neste início de governo pelas linhas que a presidente parece impor para "arrumar a casa"Tem-me surpreendido a presidente Dilma, em seu início de governo. Nela não votei e, quando lutamos contra o regime de exceção, com armas diferentes -acredito sempre mais na arma da palavra-, não estava convencido de que a então guerrilha pretendesse derrubar o governo para instalar uma democracia. Não creio, hoje, que aqueles 20 anos de governo militar foram apenas "anos de chumbo".
Apesar de não ser, à época, o país uma democracia -contra o que nós, conselheiros da OAB, lutamos-, o Brasil evoluiu economicamente. O Supremo Tribunal Federal (STF), então constituído de notáveis juristas, nunca se curvou ao Poder Executivo, e este nunca pressionou o pretório excelso.
Como advogado, sempre senti na máxima corte tal independência, que só a enaltece perante a história.
É bem verdade que a então guerrilheira é agora presidente da República. O que, todavia, me impressiona positivamente são as linhas que parece estar impondo para "arrumar a casa", que ficou desorganizada por conta do período eleitoral.
No que diz respeito à política de juros, age corretamente para reduzir o aquecimento do consumo; na política tributária, pretende fazer reforma segmentada, tendo como primeira sinalização a redução da tributação sobre a folha de salários.
Quanto ao salário mínimo, resolveu pagar o ônus da sensatez contra as reivindicações sindicais e manteve o valor de R$ 545.
Na política externa, fez com que o Brasil deixasse de acariciar ditadores e de servir como seu interlocutor nos organismos internacionais, para seguir o decidido pelo concerto das nações; na política cambial, enfrenta o "dumping" dos países desenvolvidos ou da China com coragem, e pretende cortar as despesas de custeio de máquina burocrática esclerosada e adiposa.
Por fim, tem um perfil de respeito ao cargo que ocupa, apenas se expondo, quando necessário, em suas manifestações. Como mulher culta, sabe que a dignidade da função exige postura condizente.
Não a conheço pessoalmente, mas minha mulher e eu passamos a respeitá-la mais como presidente do que como candidata.
Por outro lado, seu vice -meu amigo e colega de reflexões acadêmicas- é um dos mais qualificados constitucionalistas do país, sendo assim respeitado nos meios jurídicos. A reforma política que defende é aquela que o país necessita.
Devem ser eleitos para as Casas parlamentares os mais votados pelo povo e não os dependentes de candidatos chamarizes. A meu ver, os partidos sairiam fortalecidos com a fórmula de Michel Temer, pois deixariam de buscar pessoas famosas para enfileirar candidatos inviáveis, e passariam a buscar para seus quadros pessoas com vocação política e prestígio real.
Por outro lado, concentrar todas as eleições num ano, impedindo quase meio ano de semiparalisação para cada pleito, é muito melhor.
Por fim, as indicações técnicas até agora feitas pela presidente para o Banco Central, para a Receita Federal, para o STF e para outras áreas conformam o perfil de burocracia profissionalizada que de há muito o país precisava.
Uma última palavra sobre o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, respeitável professor de direito administrativo da PUC de São Paulo, a quem também admiro como colega de magistério e pelo seu perfil ético, que me parece estar desenvolvendo um sério trabalho na estruturação jurídica do governo.
Não votei na presidente e continuarei a acompanhar seu desempenho, como todos os cidadãos deste país, a quem ela e os demais agentes públicos devem se dedicar e servir. Mas não posso deixar de reconhecer a agradável surpresa que constitui seu início de mandato.
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 75, advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, é presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio.
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