O Brasil e a Rodada Doha
ROBERTO AZEVÊDO
O ESTADO DE SÃO PAULO - 16/03/11
O Brasil trabalha em Genebra para um desfecho favorável nas negociações da Rodada Doha, na Organização Mundial do Comércio (OMC). É de nosso interesse fortalecer um sistema internacional de comércio que seja baseado em regras claras e justas e que ofereça oportunidades de expansão à economia brasileira.As negociações se estendem há dez anos. Em julho de 2008, estivemos perto da conclusão da rodada, com base em conjunto relativamente equilibrado de concessões recíprocas - que o Brasil estava pronto a aceitar - sobretudo em disciplinas e condições de acesso a mercados para bens agrícolas e industrializados, assim como serviços. Mas o ciclo de negociações não se fechou naquele ponto em razão de diferenças tópicas entre os principais países, em particular sobre o mecanismo de salvaguardas agrícolas destinadas a proteger agricultores em países em desenvolvimento.
Na esteira da Reunião de Cúpula do G-20 de Seul, os membros da OMC decidiram, em novembro de 2010, dar novo ímpeto à rodada, com vistas a uma possível conclusão em 2011. Desde então, intensificaram-se as negociações. A disposição do Brasil para a negociação segue inalterada, sempre com base no mandato original da rodada e nos entendimentos alcançados até julho de 2008.
Nos últimos dois anos, países desenvolvidos - em particular os EUA -, ao alegar dificuldades internas para viabilizar concessões na rodada, passaram a sustentar que o pacote de 2008 deixou de ser equilibrado e que, para corrigir essa situação, os países emergentes - Brasil, China e Índia - teriam de fazer concessões adicionais em rebaixas tarifárias para bens industrializados e em liberalização em serviços.
Ao Brasil não cabe julgar o que outros países são capazes ou estão dispostos a oferecer. Temos, todavia, a obrigação de reiterar nossa perspectiva. Mudar as regras em avançada etapa do jogo compromete o equilíbrio das negociações. As demandas adicionais apresentadas ao Brasil descaracterizam por completo o mandato original da chamada "Rodada do Desenvolvimento" e ignoram as evidentes assimetrias econômicas e sociais existentes entre diferentes países.
Chegamos, em julho de 2008, a nosso limite de concessões. Pela fórmula então aprovada, as tarifas de importação hoje vigentes no Brasil seriam reduzidas em 33%, em setores estratégicos e fonte importante de empregos tais como automóveis, têxteis, vestuário, calçados e brinquedos. Diversos estudos apontam que, com o pacote atual, nossa abertura na área industrial criará maior volume proporcional de comércio do que em quase todos os demais membros da OMC individualmente. Maior, sem dúvida, que o volume gerado por qualquer dos desenvolvidos. Desconsiderar ou mesmo minimizar nossas concessões não é razoável.
Neste cenário, há que atentar para as crescentes assimetrias entre moedas. Trata-se, evidentemente, de questão complexa em que interagem diversos fatores. Entre estes, um dos mais relevantes são as políticas monetárias e fiscais excessivamente frouxas em alguns países desenvolvidos. No Brasil, a valorização do real tem concorrido para reduzir a competitividade das exportações e erodir a proteção conferida pelas tarifas de importação. Entre 2006 e 2010, o saldo comercial em produtos industrializados caiu de superávit de US$ 14,5 bilhões para déficit de US$ 33,5 bilhões, representando uma deterioração de US$ 48 bilhões em apenas quatro anos. Os EUA, por exemplo, são grandes beneficiários da apreciação do real: o superávit de US$ 9,9 bilhões no comércio bilateral de bens industriais, em 2006 transformou-se, em 2010, em déficit de US$ 7,8 bilhões.
Aproxima-se a hora de decisões críticas sobre a Rodada Doha. O Brasil continuará a perseguir uma conclusão exitosa das negociações. Não se trata, porém, de compromisso em aberto. Acreditamos que o delicado equilíbrio de julho de 2008 ainda é a única rota de voo capaz de conduzir a aterrissagem segura. Já não há espaço ou tempo para pedidos de concessões desproporcionais e não recíprocas.
EMBAIXADOR DO BRASIL NA OMC
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