sexta-feira, janeiro 28, 2011

RICARDO BAITELO


Dilma chancela o atraso

RICARDO BAITELO

O GLOBO - 28/01/11

Em seu discurso de posse, no dia 1º de janeiro, Dilma Rousseff prometeu fazer uma revolução na área de energia no Brasil. Se disse comprometida com o desenvolvimento de fontes limpas de geração energética e garantiu que seu governo incentivaria investimentos em usinas à base de biomassa, eólica e solar. A presidente projetou o Brasil como futuro campeão mundial de energia limpa e dono da matriz energética mais limpa do mundo, baseado em um projeto inédito de país desenvolvido com forte componente ambiental.

Dilma, no entanto, parece estar rasgando o seu discurso de posse. Depois de anunciar um plano para construir 11 mega-hidrelétricas na Amazônia e voltar a fustigar órgãos de governo responsáveis pelo licenciamento ambiental de grandes obras, a presidente vai, nesta sexta-feira, emprestar seu prestígio e a força de seu cargo numa homenagem ao que existe de mais acabado em termos de involução energética. Dilma prometeu que vai estar presente à inauguração da usina termoelétrica Presidente Médici - que por óbvias razões o governo prefere chamar de Candiota III. A usina é um monumento à geração energética do passado.

Movida a carvão - o menos nobre e mais poluente dos combustíveis fósseis - Candiota III promete gerar 350 MW de energia deixando um rastro de emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa que ameaçam a saúde humana e a estabilidade do clima do planeta. Significa que uma única usina - responsável por pouco mais de 0,5% da energia gerada atualmente no Brasil - contribuirá com o aumento de 10% das emissões atuais do setor elétrico.

Isso, sem incluir a mineração do carvão necessário à alimentação de seus geradores, uma atividade que comprovadamente causa impactos nocivos ao lençol freático e ao solo. Dilma, fiel ao bordão do governo, provavelmente dirá que Candiota III serve para garantir a segurança energética do país, assegurando que teremos energia para continuarmos a nos desenvolver. Trata-se de uma lenda.

De acordo com o cenário Revolução Energética, lançado pelo Greenpeace na COP 16, em Cancún, o potencial de energia eólica e biomassa e solar poderá atender a boa parte da expansão energética brasileira prevista com o crescimento econômico das próximas décadas. A matriz elétrica de 2050 seria, portanto, uma mescla entre o parque hidrelétrico já instalado, com forte participação de eólicas e cogeração a biomassa e geração solar centralizada e distribuída. Além dos óbvios benefícios ambientais, os ganhos seriam sociais, com a geração de empregos verdes, e econômicos, com a redução de gastos de combustíveis fósseis.

Não há lugar para termelétricas a carvão e nucleares nessa matriz. Este tipo de usina é considerado inflexível ou de operação ininterrupta e não se adapta, portanto, a um modelo que privilegia a a conjunção da disponibilidade momentânea de cada uma das renováveis. O relatório "A batalha das redes", lançado na semana passada pelo Greenpeace, mapeia o sistema de redes necessário para conectar a geração de energias renováveis na Europa e tornar a matriz dessa região 100% renovável e independente de fontes sujas até 2050.

Se a Europa, continente de grande geração fóssil, pode realizar essa tarefa até meados deste século, o Brasil, que já conta com uma matriz de mais de 80%, tem todas as condições para chegar lá antes disso. A privilegiada situação brasileira de potencial renovável permite que apostemos na conjunção entre os regimes de geração das diferentes formas de energias renováveis, que pode perfeitamente atender à demanda nacional de forma segura.

Em suma, a presidente está chancelando um empreendimento baseado em um modelo energético do século retrasado. Mas, se quiser se redimir, ainda terá a oportunidade de cumprir parte do que prometeu no ato da posse e tirar o projeto de lei de energias renováveis - PL 630 - do limbo na Câmara dos Deputados em fevereiro.

RICARDO BAITELO é coordenador de energia da organização não governamental Greenpeace no Brasil.

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