Edemar, o faminto
BARBARA GANCIA
FOLHA DE SÃO PAULO - 28/01/11
Entre uma ida e outra para a detenção, o ex-banqueiro seguiu dando jantares regados a Château Pétrus
DESDE MINHA ENTRADA em cena há mais de meio século, eu já vi muita coisa bonita.
Sem querer pisotear e já pisoteando, dormi muitas noites seguidas em castelos, convivi com Picassos em lavabos, almocei e jantei com talheres de ouro maciço que pertenceram ao czar Nicholas e vi com meus próprios olhos estatueta do Oscar ser usada para escorar a porta.
Estou acostumada a tratar o bem viver com naturalidade e não há muita coisa na área do luxo (tirando o excesso, que a gente descarta imediatamente como mau gosto) que consiga me impressionar.
Mas sou obrigada a admitir que a antiga moradia do banqueiro falido Edemar Cid Ferreira, no Morumbi, que a Folha mostrou lindamente ontem, me deixou de queixo caído. Todo mundo e seu vizinho já tinham ouvido sobre as obras que ele guardava lá dentro (aquele Frank Stella na piscina interna é de comer) e sobre os 54 funcionários que a administração da casa requeria (coitadinha da dona Lily Marinho, que Deus a tenha!), mas nada fazia supor que estávamos falando de uma casa que pudesse deixar bilionário da Califórnia acanhado.
Eu mesma já tinha escutado relatos bastante minuciosos e possuía alguma noção de que se tratava de algo grandioso com obras de arte, livros e objetos importantes, coleções (uma de mapas mundi que é um mimo) que haviam sido juntadas por um apaixonado, alguém que não só unia o dionisíaco ao gastar ilimitado, mas que juntara sob o mesmo teto, em uma casa de uma beleza estonteante, centenas de peças que, reunidas, adquirem um novo sentido, além de ser o conjunto capaz de contar a história do Brasil, das Américas e do tempo em que o colecionador viveu.
Tudo isso entremeado a um bom gosto que me dá até vontade de vomitar de tão apurado. Alô, síndrome de Stendhal!
Não é à toa que Peter Marino seja considerado o melhor decorador do mundo e que, Ruim, digo, Ruy Ohtake, e Enoque, digo, Oscar Niemeyer, dividam entre eles nove a cada dez obras públicas que são realizadas no país.
A casa de Edemar Cid Ferreira, homem de confiança de José Sarney transformado em banqueiro de investimentos que acabou indo pelos ares, levando consigo seus investidores, é única e, provavelmente, não encontrará comprador. O Brasil tem casas espetaculares; no Rio, em especial, já vi coisas de arrancar a tampa de crânio de tão lindas: escultura de Henry Moore no jardim, palmeira imperial enfileirada a perder de vista no horizonte e casa feita pelo Lúcio Costa com lago povoado por cisnes negros. Mas nunca vi nada que se compare.
Fato está que o Edemar não ganhou seu dinheiro de forma convencional. Nem tampouco tentou conter sua megalomania ou seu pendor pelo hedonismo uma vez sentida a dor do tombo. Ao contrário, entre uma ida e outra para trás das grades, seguiu dando jantares regados a Château Pétrus.
Fico me perguntando se terá valido a pena. Dizem que a porta do Batistério, em Florença, custou a mesma soma da Guerra dos 100 anos. É uma equivalência difícil de ser colocada em perspectiva.
Veja: eu, que não sou nenhum modelo de recato, posso me contentar com um bife a cada refeição. Será que o Edemar, com sua caldeira munida de 35 mil litros de óleo para esquentar o piso da sua piscina interna, precisa de dois ou mais?
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