O que Dilma pode fazer pela relação com os EUA |
Peter Hakim
O ESTADO DE SÃO PAULO - 12/01/11
Com um índice de aprovação de 87% quando deixou o cargo, em 1.º de janeiro, o presidente Lula, claro, não deve ter errado muito. De fato, nos seus oito anos de poder o desempenho da economia brasileira foi o melhor em mais de uma geração, em pouco afetada pela crise financeira global. A pobreza e a desigualdade diminuíram drasticamente. O prestígio e a influência internacionais do Brasil cresceram vertiginosamente. O balanço, contudo, não foi perfeito. As relações com os EUA - que continuam de importância fundamental para o Brasil - começaram com uma nota bastante positiva quando o então presidente eleito Lula se encontrou com o presidente George W. Bush no Salão Oval, em 2002. Mas se deterioraram nos últimos anos e hoje estão bastante estremecidas, com Lula e seus assessores dividindo a culpa com as autoridades americanas em Washington.
Recompor as relações deterioradas será um desafio enorme. A nova presidente, Dilma Rousseff, sabe disso e já fez alguns gestos, embora modestos, no rumo certo. Em entrevista ao jornal The Washington Post, em dezembro, ela enfatizou a alta prioridade de estabelecer laços mais estreitos com os EUA, reconhecendo implicitamente que nem tudo vai bem entre os dois países. E se distanciou do governo Lula ao criticar a recente abstenção do Brasil em votação na ONU que condenou o Irã pelas penas de apedrejamento e outras violações dos direitos humanos. Ao mesmo tempo, porém, não deu nenhuma indicação de outras mudanças nas relações Brasil-Irã.
O Irã não é o único aspecto do contencioso EUA-Brasil. Não importa quão habilmente Dilma administre a política externa, nos próximos anos essas duas nações com visão global devem colidir numa série de questões. Com políticas e agendas que refletem diferentes interesses, prioridades e enfoques dos assuntos internacionais, com certeza elas vão se confrontar em muitas áreas. Nos assuntos regionais, o Brasil irritou profundamente os EUA no ano passado, quando se opôs agressivamente ao tratado militar americano com a Colômbia. As diferenças de posição a respeito de Honduras ainda alimentam um impasse nas relações hemisféricas. Os dois países têm visões divergentes também quanto a como lidar com Cuba e raramente coincidem sobre como tratar a Venezuela. É em questões globais, no entanto, que têm emergido os conflitos mais intensos.
Washington está exasperado com a persistente defesa, pelo Brasil, do programa nuclear do Irã. Muitos elementos da ligação Brasil-Irã preocupam os EUA (incluindo a aparente indiferença brasileira à repressão interna no Irã, seu apoio a grupos terroristas e suas implacáveis ameaças a Israel). Mas a questão central que divide Brasil e EUA são as respectivas avaliações quanto a se o Irã está ou não em via de produzir armas atômicas e o que fazer a esse respeito. Não existe maior obstáculo do que esse à melhoria das relações entre os dois países.
Os EUA aguardam do governo Dilma ao menos alguns sinais de ceticismo quanto às afirmações do Irã de que seu programa se destina apenas a usos civis da energia nuclear. As perspectivas de recomposição das relações bilaterais são tênues se o Brasil não se dispuser, pelo menos, a considerar seriamente as reiteradas evidências de que o Irã está incrementando sua capacidade de construir armas nucleares. Os EUA poderiam ter encarado de modo mais positivo as negociações de Brasil e Turquia com o Irã, em maio, se as entendessem como uma maneira de encorajar o Irã a cumprir as resoluções da ONU relativas ao seu programa atômico, em vez de um esforço para pôr fim às sanções contra Teerã. A recente sugestão do embaixador Tom Shannon de que EUA e Brasil já haviam resolvido em grande parte suas divergências no caso do Irã foi um exagero diplomático. Essa questão, na verdade, não está resolvida e continua sendo prioritária na agenda de Washington.
O próprio programa nuclear brasileiro pode vir a se tornar também um tema do contencioso bilateral. Poucas pessoas em Washington se preocupam com a possibilidade de o Brasil desenvolver armas nucleares. Mas as autoridades americanas estão apreensivas com a possibilidade de as ações brasileiras debilitarem os esforços globais para conter a proliferação das armas nucleares - não apenas por defender o Irã, mas também por se recusar a endossar as emendas ao Tratado de Não Proliferação (TNP) e a abrir as suas instalações nucleares a inspeções mais profundas da ONU.
De forma ideal, o desenvolvimento nuclear deveria ser uma área de cooperação entre os EUA e o Brasil. O acordo firmado há três entre Washington e Índia poderia servir de modelo para transferência de tecnologia americana ao Brasil - isso se o governo Dilma estiver disposto a ser mais favorável a iniciativas no âmbito da não proliferação nuclear.
E existem outras áreas promissoras para a colaboração americano-brasileira. Políticas de comércio global e bilateral, questões de segurança regional, energia e mudanças climáticas, bem como a governança das organizações internacionais, são algumas delas. Em quase todas essas áreas, no entanto, é incerto se as duas nações continentais vão acabar cooperando ou se chocando - ou uma coisa e outra, em alguns aspectos.
Entretanto, independentemente do quão produtivamente os dois países cooperarem nesses e em outros desafios, no que se refere ao Brasil, Washington estará muitíssimo atento às questões que envolvem a proliferação das armas nucleares. O que mais importa para os EUA é como o Brasil conduzirá seus próprios projetos nucleares e que posição e ações adotará na ONU, ou em outros foros, com relação ao TNP e ao programa atômico iraniano. É isso que o governo Dilma deverá ter em mente se pretende uma relação mais estreita com os EUA.
*PETER HAKIM PRESIDENTE EMÉRITO E MEMBRO DO INTER-AMERICAN DIALOGUE (DIÁLOGO INTERAMERICANO)
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