quarta-feira, janeiro 12, 2011

LEANDRO MODÉ

A primeira chance
Leandro Modé

O ESTADO DE SÃO PAULO - 12/01/11

O mesmo mercado financeiro que encarou a eleição de 2010 com tranquilidade passou a exibir crescente desconfiança com os rumos da política econômica desde que a presidente Dilma Rousseff foi eleita. Guardadas as devidas e enormes proporções, é um movimento oposto ao do período que precedeu a vitória de Lula em 2002. Lá, a tensão concentrou-se no antes. Conforme o então novo governo mostrava seus planos, os investidores se acalmavam.

Desta vez, acumulam-se dúvidas principalmente sobre a condução das políticas fiscal e monetária. Em outras palavras, teme-se a gastança e a definição da taxa de juros pela caneta de algum iluminado de Brasília. Ressalve-se que, em se tratando de mercado, há que se tomar cuidado com reações histéricas, típicas de quem está acostumado a ganhar com o vaivém das cotações.

Eventuais exageros à parte, não há trâmite burocrático que justifique a falta de clareza do governo Dilma sobre os planos para as contas públicas em 2011. Um exemplo é a discussão sobre o novo salário mínimo. Ora dizem que os R$ 540 previstos no Orçamento são inegociáveis, ora abrem espaço para um reajuste superior ao preestabelecido.

Mais do que o efeito prático sobre as contas do governo, trata-se de dar uma indicação firme do comprometimento de Dilma com o equilíbrio macroeconômico. Afinal, um dos fatores que têm pressionado a inflação é o aumento do gasto público entre 2009 e 2010.

De concreto, até agora, nada foi feito. Apenas promessas de austeridade apareceram. Mesmo quem se debruça sobre as complicadas planilhas que retratam as contas públicas brasileiras diz que o possível contingenciamento de R$ 30 bilhões do Orçamento seria insuficiente para garantir o cumprimento da meta de superávit primário de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB).

A primeira chance de Dilma dissipar as nuvens carregadas ocorre daqui a exatamente uma semana. É quando o Banco Central (BC), comandado por Alexandre Tombini, fará sua primeira reunião para definir a taxa básica de juros (Selic). Declarações recentes do presidente do BC e o Relatório de Inflação divulgado pela autoridade monetária no fim do ano encorajaram os agentes de mercado a cravar que a Selic será elevada. O consenso é de uma alta de 0,50 ponto porcentual, para 11,25% ao ano.

Os relatórios que bancam essa aposta imputam a Tombini uma tarefa proporcionalmente mais pesada que a de Henrique Meirelles quando assumiu o BC, em 2003. Naquele momento, a taxa básica estava em 25% ao ano. O primeiro movimento do BC de Meirelles foi uma elevação de 0,50 ponto porcentual, exatamente o que se espera que Tombini faça na semana que vem. Mas uma coisa é 0,50 ponto em 25%. Outra é o mesmo 0,50 ponto em 10,75%.

Sem falar que, hoje, os chamados canais de transmissão da política monetária são muito mais efetivos do que em 2003. Basta lembrar que o crédito total da economia dobrou no período, de 23% para mais de 46% do PIB. Ou seja, o juro afeta mais intensamente (e, talvez, mais rapidamente) a temperatura da economia agora do que há oito anos.

Comparação semelhante pode ser feita quanto à expectativa para o ano todo. Em 2003, Meirelles promoveu um reajuste total da Selic de 1,5 ponto porcentual, para 26,50% em seu pico (entre março e junho). De novo, é a mesma magnitude projetada para 2011. Na média, o mercado espera a taxa básica em 12,25% ao ano em dezembro. É óbvio que, naquele momento, a pressão política sobre Meirelles era maior, porque a economia estava estagnada. Em 2002, o PIB cresceu pouco mais de 2%, ante estimados 7,5% em 2010. Mas, do ponto de vista estritamente monetário, Tombini pode dar um tranco bem mais forte na economia do que seu antecessor.

Se essas previsões se confirmarem, o novo presidente do BC terá definitivamente conquistado a confiança dos investidores. Resta saber como reagirá o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que viveu às turras com o BC de Meirelles desde que ele assumiu a Pasta, em março de 2006. Aí será a vez de Dilma reforçar que, no seu governo, juro não se define com canetada.

*LEANDRO MODÉ É JORNALISTA.

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