quarta-feira, janeiro 12, 2011

MARIO MESQUITA

Os temas dos mercados
MARIO MESQUITA
O ESTADO DE SÃO PAULO - 12/01/12
Os mercados deverão voltar-se com maior atenção para a evolução da economia americana


Os mercados financeiros têm o hábito de mudar recorrentemente de foco. Antever essas transições pode gerar ganhos importantes para os investidores, assim como estes podem sofrer perdas vultosas se continuarem preocupados com temas ultrapassados -tanto quanto na estratégia militar, preparar-se para a última guerra, ou a última crise, pode ser altamente enganoso.
Nesse sentido, vale tentar antecipar a temática dos mercados nos próximos meses, digamos durante o primeiro semestre de 2011.
No curto prazo, isto é, até o final do primeiro trimestre, os investidores seguirão acompanhando de perto a crise europeia.
Esta, que amainou no final de 2010, com a redução sazonal de liquidez dos mercados, está longe de uma solução definitiva.
Com isso, a moeda única europeia pode seguir pressionada ante o dólar e o iene, e momentos de recrudescimento da percepção de risco podem afetar também preços de ativos em economias emergentes, inclusive o Brasil.
A questão fundamental segue sendo a solvência do setor público nas economias da periferia mediterrânea da área do euro, e o impacto que possíveis eventos de crédito (reestruturação) teriam sobre o sistema bancário do continente.
Em paralelo, há também a preocupação com o rescaldo da crise imobiliária em certas economias, notadamente a espanhola.
Os mercados estão sensíveis à evolução da crise europeia, mas a avaliação majoritária ainda parece ser que, ao fim e ao cabo, as economias líderes, leia-se a Alemanha, irão socorrer a periferia.
Isso porque as elites do norte europeu percebem que o custo de abandonar a periferia (em especial as economias maiores, como Espanha e Itália) seria uma crise terminal do euro, e poderia levar a antagonismos diplomáticos bastante indesejáveis em uma região com uma bagagem histórica tão complexa.
Mas isso não significa que acidentes de percurso possam ser descartados. Uma rebelião populista antieuropeia poderia levar a uma solução desordenada da crise fiscal no sul da Europa. Essa rebelião tanto poderia ocorrer no norte estável e em crescimento ou nos próprios países em crise.
Por seu turno, a falta de agilidade na tomada de decisões, talvez inevitável em um contexto de federalismo fiscal muito imperfeito, em momento de estresse agudo nos mercados tende a aumentar a probabilidade de uma crise mais severa.
Em resumo, ainda que a crise europeia siga sendo fonte de preocupação, a menos que ocorra um episódio de falta de confiança e ataque frontal ao sistema financeiro, a situação na região deve continuar sendo vista como um risco a ser monitorado, e não como o fator determinante para o comportamento dos preços de ativos.
Nesse ambiente, ao longo do primeiro semestre os mercados deverão voltar-se com maior atenção para a evolução da economia americana, e em especial para o que isso pode implicar para as futuras ações do banco central (o Federal Reserve).
O Fed anunciou em novembro passado um programa de compra de ativos de US$ 600 bilhões, com duração até o final de junho, em uma nova rodada de expansão monetária quantitativa.
Naturalmente, nos meses anteriores à data final do programa, a questão dominante será se o mesmo será ou não estendido.
A julgar pelos dados mais recentes sobre a economia americana, ainda que a taxa de desemprego persista em padrões historicamente elevados, o Fed não teria muitos incentivos para implementar mais uma rodada de expansão quantitativa, ainda mais depois do anúncio do amplo pacote de estímulo fiscal negociado entre a Casa Branca e a oposição.
Isso não quer dizer que o Fed estaria na iminência de elevar a taxa de juros, o que deve ocorrer mais para o final de 2011 ou mesmo 2012.
Mas a simples não renovação da expansão quantitativa poderia sinalizar a guinada na postura da política monetária americana, em direção menos expansionista, com impacto sobre os mercados de ativos.
O entorpecimento dos sentidos dos investidores quanto a certos ativos de risco, inclusive no Brasil, proporcionado pela era de liquidez farta e gratuita, poderia então estar chegando ao seu final.
MARIO MESQUITA, 44, doutor em economia pela Universidade de Oxford

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