Papel secundário
Merval Pereira
O GLOBO 12/01/11
A trégua entre PT e PMDB obtida ontem com a intervenção do chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, não quer dizer que tenham sido superados os problemas de convivência entre os dois principais partidos da base aliada governista, e nem que tenha se chegado a um acordo político que contente o PMDB.
Ao contrário, ao negar a presença mais for te do PMDB no chamado “núcleo duro” do governo Dilma, sob a alegação de que os demais partidos da aliança também reivindicariam um lugar nesse grupo decisório do Planalto, ficou delimitada a influência que o governo admite para o PMDB, isto é, igual a todos os demais aliados, sem levar em conta o tamanho e o poder de fogo das bancadas do PMDB na Câmara e no Senado.
Havia a certeza no PMDB de que chegaria um momento em que o partido teria que decidir que atitude tomar: ou usaria sua força para arrancar nacos de poder ou se vincularia a uma agenda de poder.
Ao retirá-lo do seu núcleo estratégico de decisão, o governo jogou o PMDB para a fisiologia pura e simples, não lhe dando alternativa que não seja a de demonstrar sua força política no plenário do Congresso.
Mesmo nesse terreno, no entanto, o PMDB vem perdendo de goleada para o PT, que ampliou seu espaço no Ministério em cima dele e ainda ressaltou essa face do maior aliado, justificando seu apetite com a defesa de administrações eficientes e honestas em cargos anteriormente ocupados por indicações de peemedebistas, como nos Correios.
Mesmo que o resultado “oficial” da reunião tenha sido uma aparente trégua na disputa por cargos, e a reafirmação do apoio ao deputado petista Marcos Maia na presidência da Câmara, as conseqüências desse alijamento do PMDB do centro de decisão governamental surgirão naturalmente no decorrer das votações, não sendo razoável que o maior partido do país se considere atendido em suas expectativas de poder no estágio em que as coisas estão.
Outra questão chave é saber qual será a função do Michel Temer neste governo.
Ainda na campanha eleitoral ele teve que dar umas cotoveladas para ser incluído no grupo que decidia, formado apenas por petistas ilustres, praticamente os mesmos, por sinal, que estão hoje nesse “núcleo duro” que define os rumos políticos do governo.
Temer foi recebido com todas as honras, mas apenas depois que reclamou de sua exclusão, e foi-lhe dada a função de coordenador do grupo, com os demais membros subordinados a ele.
Uma maneira de apaziguar os ânimos do PMDB, mas claramente um arranjo fictício, pois o vice-presidente não tem poder de comando político.
A não ser que use as armas que possui, como o poder de negociação parlamentar, para se contrapor eventualmente a uma decisão do “núcleo duro” petista.
Esse é um dos receios do comando governista, que vê essa possibilidade como uma ameaça à estabilidade política da base aliada, uma colcha de retalhos formada por um grupo de dez partidos sem nenhuma ligação programática entre si, e que só está unido sob a proteção que fazer parte do governo garante.
Se, no entanto, a influência de Temer no Congresso fosse usada pelo governo em seu benefício, seria possível designá-lo para tarefas delicadas e, aí sim, promover a pacificação do PMDB.
Não há, no entanto, até o momento, sinal de que a presidente Dilma tenha intenção de usar o vice-presidente além do papel inócuo que o cargo reserva a seus titulares, o que lhe dá uma posição meramente decorativa no “núcleo de poder” do Planalto.
Há sinais claros de mudanças, de estilo, mas também de conteúdo na nova gestão do Ministério das Relações Exteriores.
O episódio da censura aos livros do escritor brasileiro Paulo Coelho foi uma boa oportunidade para o Itamaraty demonstrar isso, e a condenação da censura pelo ministro Antonio Patriota não ficou apenas na retórica, o que já seria uma mudança importante.
Ele anunciou que mandou que a embaixada brasileira em Teerã se inteirasse da questão para que possa tomar a atitude mais adequada.
A própria presidente já havia prenunciado essa mudança quando não se furtou a condenar o apedrejamento de iranianas por adultério.
A discussão sobre os passaportes diplomáticos está sendo distorcida com a nítida intenção de desculpar os filhos do ex-presidente Lula, em operação muito comum no lulismo: espalhar a versão de que todo mundo usa e abusa de tais privilégios, e, portanto, criticar os Lula da Silva só pode ser preconceito.
A questão é maior que isso.O passaporte diplomático existe para viagens a trabalho e, portanto, não é aceitável que qualquer autoridade, seja ministro, deputado, senador, use o privilégio quando viaja de férias, o mesmo valendo para sua família.
E a autorização para que o Ministro das Relações Exteriores dê um passaporte diplomático para alguém que não esteja entre as autoridades previstas na lei não lhe dá o direito de entregar o passaporte para quem lhe aprouver.
Seu poder não é discricionário, mas limitado pela lei, que prevê essa possibilidade “no interesse do país”.
Quando Pelé viaja para fazer propaganda do país, está justo que use seu passaporte diplomático.
Mas é difícil imaginar em que situação um bispo da Igreja Universal ou os filhos de Lula viajarão “no interesse do país”.
A lista dos aquinhoados deveria ser divulgada, com a justificativa de cada concessão.
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