Teoria da inflação no varejo
VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SÃO PAULO - 15/12/10
IBGE registra febre de venda de carros, o que explica as medidas "prudenciais" tomadas pelo Banco Central
AS VENDAS no comércio varejista continuam em ritmo "chinês", como diz hoje o clichê. A medida mais ampla das vendas no varejo, que inclui veículos e material de construção, registrou incremento de 11,2%.
O principal vetor da animação nas caixas registradoras foi a venda de automóveis. Entende-se ainda mais, pois, as medidas tomadas pelo Banco Central faz quase duas semanas, decisões que têm como objetivo reduzir os prazos de financiamento e encarecer o custo do dinheiro. As medidas já começaram a surtir efeito na praça. Era bem sabido que havia uma febre de consumo de carros, mas os dados do IBGE a respeito vieram ainda mais gordos do que o estimado por economistas.
Os dados divulgados ontem pelo IBGE dizem respeito a um já longínquo outubro, mas o que há de novo no fronte capaz de ter desanimado o consumidor em novembro e neste mês? Como já mencionado, o único fator maior que pode derrubar um tanto o desempenho do varejo é a restrição de crédito para a compra de automóveis e, bem menos, os efeitos do enxugamento de dinheiro nas demais taxas de juros para o consumidor.
No entanto, nestes dois meses finais do ano, a confiança do consumidor, a vontade de comprar e a esperança de continuar empregado, está em patamar recorde. O crédito continuou a crescer praticamente no mesmo ritmo forte do ano, os aumentos salariais vieram acima da inflação para praticamente todas as categorias organizadas e o desemprego continuava a declinar pelo menos até o mês passado.
DEBATE DE JANEIRO
O grande debate da virada do ano a respeito de taxas de juros e inflação será, primeiro, aquele a respeito da duração e da extensão dos efeitos da política de enxugamento monetário do Banco Central. Segundo, se o Banco Central de fato alterou ou virá alterar sua maneira de encarar o controle de preços, como corre à boca nada pequena entre certos comentaristas e economistas.
Isto é, trata-se de descobrir se o BC acredita que medidas reguladoras (exigência de mais capital para empréstimos, exigência de mais compulsórios) são um instrumento de controle da inflação ou se, quase ao contrário, a autoridade monetária apenas reconhece o bem sabido efeito de tais decisões no crédito, um efeito que pode ser aproveitado a fim de evitar de imediato uma alta maior de juros, mas não muito mais do que isso. Ou seja, as medidas "de prudência", com o objetivo de evitar exageros no crédito e risco de calotes, teriam apenas um efeito colateral nos juros, aceito com satisfação.
Para os adeptos ou torcedores da tese de que o "Banco Central mudou", janeiro é decisivo. Haverá decisão sobre juros. Pode-se começar a medir o efeito das medidas "macroprudenciais" de restrição de crédito: vão redundar apenas num baque na venda de carros ou vão alterar o panorama de crédito e de "vontade de gastar" de modo mais disseminado? O economista-padrão acredita que o efeito "contracionista" das medidas "macroprudenciais" é restrito. Pode servir para "economizar" na alta de juros, da Selic, mas não afeta geralmente os agentes econômicos, até porque não afeta decisões centrais acerca de investir e/ou de poupar. O Banco Central pagaria para ver se a "heterodoxia" funciona? Difícil de acreditar.
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