É o mundo das compras
Celso Ming
O Estado de S.Paulo - 15/12/2010
Os comerciantes estão rindo à toa. É o melhor Natal do século. Mas, sob o ponto de vista do desempenho do varejo, foi Natal o ano inteiro.
Ontem, o IBGE divulgou os números das vendas do varejo até outubro. O importante aí não é tomar a variação sobre setembro, que foi de 0,4% e pareceu baixa. O importante é ver o que aconteceu em 2010. Foi um aumento de 11,1% no acumulado do ano em relação ao mesmo período de 2009. A alegria dos vendedores denuncia que fecharão o ano com chave de ouro.
Essa exuberância tem lá suas explicações e, também, seu preço. Dois foram os principais fatores que impulsionaram o aumento da procura por parte do consumidor. O primeiro foi o crescimento das despesas públicas. O governo decidiu não brincar em serviço neste ano eleitoral. Gastou o que pôde e o que não pôde, 15,7% a mais do que em 2009, e isso criou renda e consumo, em boa parte, artificiais. O governo Lula é o campeão do custeio da máquina, como você pode conferir no noticiário de hoje. O segundo fator que empurrou as vendas foi a forte expansão do crédito, de 20,3% em 12 meses.
E o povão se esbaldou pelo mundo maravilhoso das compras, no supermercado, no shopping center, nas viagens aéreas e nos salões de beleza. O esticão do consumo trouxe três desequilíbrios, felizmente nenhum deles irreversível, desde que, obviamente, sejam revistos.
O primeiro deles foi nas contas externas ou, mais particularmente, no avanço impressionante das importações, de nada menos que 44,3% no acumulado até novembro. O déficit nas contas correntes deverá ser ampliado de US$ 24,3 bilhões em 2009 para US$ 49 bilhões em 2010.
O segundo desequilíbrio foi a persistência de baixo índice de poupança, de apenas 18,5% da renda, insuficiente para alavancar o investimento de pelo menos 25% do PIB para garantir crescimento econômico sustentável nos próximos anos.
O terceiro desequilíbrio começa a aparecer. É o salto da inadimplência (calote) nas relações financeiras, conforme foi mostrado anteontem pelas estatísticas da Serasa. Aumentou 3,5% em novembro em relação a outubro e 5,0% no acumulado do ano até novembro. É sinal de que o consumidor foi além de suas pernas e agora está com cãibra e dores musculares.
Esses problemas foram detectados pelo governo federal antes mesmo das eleições, embora até lá não tenha feito nada e as autoridades da Fazenda insistissem em tapar o sol com a peneira. Sob o descrédito geral, continuam afirmando que as despesas públicas não cresceram demais e que a meta do superávit primário (3,1% do PIB), o saldo de arrecadação destinado ao pagamento da dívida, está assegurada.
No entanto, agora avisam que é preciso pisar nos freios. Mais do que avisar, já começaram a trabalhar nessa direção. Há duas semanas, por exemplo, o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central tomaram decisões que restringem o crédito, porque identificaram o risco de formação de bolhas financeiras. E o recado que provém do gabinete da presidente eleita, Dilma Rousseff, é o de que virá um arrocho vigoroso nas contas públicas - mesmo que, para isso, seja preciso retardar obras do PAC, como já disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega.
CONFIRA
Continua ruim
O Fed (banco central dos Estados Unidos) não mexeu nos juros. Mas o comunicado foi um desfile de problemas: o emprego não reage, os investimentos estão em queda, o setor de moradia segue deprimido, a recuperação decepciona...
Chuva de dólares
Tudo isso continua justificando juros baixos e recompra de títulos pelo Fed para canalizar mais dinheiro para o mercado (US$ 600 bi até junho).
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