sexta-feira, abril 02, 2010

ALON FEUERWERKER

O mensageiro e seu risco
CORREIO BRAZILIENSE - 02/04/10

Como na épica abertura de Gladiador, quando um conflito acirra demais, aumenta muito o perigo para o portador de mensagens entre as partes


O relógio está correndo, as grandes potências apertam o cerco ao Irã. O mundo percebe, progressivamente, o lugar central do assunto na agenda de Barack Obama. Os Estados Unidos trabalham com afinco para isolar e neutralizar o regime persa, tido por Washington como elemento desestabilizador da influência americana e ocidental no mundo árabe.

Do outro lado, Teerã procura reforçar a imagem de principal inimigo de Israel, para evitar o isolamento.

Na Guerra do Golfo, quase vinte anos atrás, Sadam Hussein tentou algo parecido. Enquanto sofria o ataque da coalizão liderada pelos Estados Unidos, lançava mísseis sobre Israel. Que não revidou. Se revidasse, talvez inviabilizasse a aliança militar entre americanos, sírios, egípcios e sauditas. Tinha mais gente, mas esses eram os atores principais.

O conflito estourou porque o Iraque invadiu o Kuait, mas se Sadam conseguisse arrastar Israel para a confusão transformaria a coisa numa batalha entre o Islã e o Ocidente — e seu aliado sionista. Bem menos complicada de travar. E talvez o iraquiano não tivesse terminado seus dias como terminou.

O establishment de Teerã investe agora em algo parecido. O discurso antissionista está a maquiar a estratégia de hegemonia sobre os vizinhos árabes. É um amálgama de sentimentos antissemitas e aspirações anticoloniais. O caldo de cultura clássico do nacionalismo na região desde pelo menos os anos 30 do século passado.

O Irã procura embalar suas aspirações nucleares no papel de presente do anti-imperialismo. Mas enfrenta um desafio. Como convencer os arredores de que, antes de colocar Washington de joelhos, o poderio nuclear iraniano não servirá para impor o diktat de Teerã nas vizinhanças?

Até porque a segunda missão exigiria bem menos ogivas e mísseis, se comparada à primeira.

Um potencial Irã nuclear também parece preocupar crescentemente russos e chineses. Cada um às voltas com seus próprios movimentos separatistas — e terroristas — de extração islâmica. E a França está alinhada no processo. Talvez pelo temor de ver o Líbano de joelhos diante do Hezbollah. Mas não só.

O mais notável nesses movimentos é a convergência de rivais, impulsionada pela agressividade tática do presidente americano. Para atrair os russos, cedeu no projeto do escudo antimísseis na Europa do Leste e avançou no desarmamento bilateral. Para afagar os chineses, deu novos sinais de compromisso com a integridade territorial da China.

Barack Obama constrói tijolo a tijolo o edifício de duras sanções contra o Irã. Quem acompanhou a determinação do presidente americano para aprovar no Congresso a reforma do sistema de saúde tem motivo para acreditar que ele pode obter o apoio político necessário na ONU.

Com que cara Obama disputará a reeleição em 2012 se até lá os aiatolás tiverem construído a bomba, ou dominado a tecnologia para construí-la? O presidente democrata será desossado pelos adversários republicanos, e sem anestesia.

Eis a diferença das situações de Obama e Luiz Inácio Lula da Silva. O Brasil está nesta a custo zero. Se a estratégia do “puro diálogo” defendida pelo chanceler Celso Amorim permitir ao Irã “comprar tempo”, e com isso chegar ao domínio dos meios para ter um artefato nuclear, o Brasil sempre poderá culpar os outros e dizer que tudo deu errado pois nossos conselhos não foram ouvidos. Seria típico.

Ou, quem sabe?, pedir desculpas pelo erro de avaliação. Isso seria atípico.

Ambas saídas retóricas, bem ao gosto da nossa política. Infelizmente, porém, não serviriam para salvar o pescoço dos líderes de outros países mais ameaçados, direta ou indiretamente.

Sobre pescoços, aliás, talvez seja conveniente recordar a épica abertura de Gladiador, de Ridley Scott. Quando o conflito acirra demais, aumenta bastante o risco de o portador de mensagens entre as partes acabar mal.

Lula vai a Teerã. Pode ser bom, pois nunca é demais conversar. Quem sabe o Itamaraty devesse tomar certos cuidados, para evitar uma situação sem saída, para evitar que nosso presidente seja amarrado a gestos e simbologias irreversíveis.

Nunca é bom entrar numa fria.

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