Se algum diplomata americano não souber quem sou eu, o Departamento de Estado terá caído muito de qualidade. Fui embaixador dos Estados Unidos no Brasil de 1912 a 1933. Faça a conta, 21 anos.
Nenhum embaixador nosso ficou tanto tempo num país. Terminada minha missão, continuei em Petrópolis, morando no palácio do Grão-Pará. De lá, fui para o cemitério municipal, onde permaneço.
Antes de escrever esta carta conversei com o Lincoln Gordon (Harvard, 1933; eu sou da turma de 1890). Ele acabou de chegar aqui e conversamos bastante.
Os Estados Unidos e o Brasil vivem uma ocasião rara nas suas relações. Pela primeira vez em muito tempo, precisamos dos brasileiros e é bom que seja assim. Eles podem nos ajudar com o Irã, nos ajudam a conter aqueles dois indígenas dos Andes e seríamos muito ingênuos se deixássemos Lula cair na zona de influência dos europeus, tão desregrados nas suas paixões por esquerdistas latino-americanos com "panache" romântico.
Acho que em Washington vive-se um momento de infantilidade nesse caso em que a Organização Mundial do Comércio autorizou os brasileiros a retaliar por conta do nosso protecionismo com o algodão. O senhor disse que "retaliações provocam contrarretaliações".
Nosso governo acaba de anunciar que ficou "decepcionado" com a medida dos brasileiros.
Não podemos ameaçar bilateralmente um país que litigou conosco num foro multilateral e prevaleceu. Sei das nossas conversas com empresários americanos aí no Brasil. Cuidado, embaixador. O maior deles foi o Percival Farquhar. Eu o vi trabalhar no Rio, sobretudo na imprensa. O Farquhar foi dono de quase toda a infraestrutura de transportes públicos, portos, telefonia e eletricidade do Brasil. Perdeu muito, amargurou-se e passou a me odiar, atacando até mesmo minha orientação sexual. Eu mostrei a ele que a embaixada era do governo, e não sua.
Se lhe digo para não dar muita importância aos nossos homens de negócio, rogo-lhe que dê menos atenção ainda aos empresários brasileiros que vão ao seu encontro. A meu juízo, o senhor não deveria tratar com eles assuntos que tramitam ao nível dos dois Estados, mas sou da velha escola, do colarinho duro e do cabelo gomalinado.
Eu conheci episódios que incluíram tristes e gordas propinas para negociadores brasileiros. Sei de outros que nos fizeram concessões de graça, mas não posso contar porque soube desses casos depois que cheguei aqui. Esse tempo acabou. Quando entramos no litígio do algodão, sabíamos que podíamos perder. Tendo perdido, os brasileiros têm o direito de retaliar. Nós não devemos ameaçá-los nem ficar "decepcionados". Basta negociar, negociar e repetir que estamos negociando.
O presidente Obama estabeleceu uma relação invejável com Lula. Coisa sem precedente. Não desperdice a oportunidade.
Despeço-me pedindo um favor. Registre em algum lugar da memória da nossa embaixada que é falsa a história segundo a qual eu inventei a caipirinha. Será que alguém é capaz de acreditar que seria necessário um gringo para juntar limão à cachaça? Acho que a lenda nasceu porque eu oferecia daiquiris nas minhas recepções. Afinal, servi em Cuba antes de vir para este adorável país.
Com meus cumprimentos e os votos pelo seu êxito
Edwin Vernon Morgan
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