quarta-feira, fevereiro 10, 2010

NAS ENTRELINHAS

Demonização em excesso

Alon Feuerwerker
Correio Braziliense - 10/02/2010

O político pode dar-se ao luxo inclusive de arrepender-se. Desde, é claro, que o arrependimento não implique abrir mão do que conquistou com os meios dos quais agora se arrepende


Um lance arriscado na política é pintar o adversário como algo mais defeituoso do que é. Não há artilharia de marketing que dispense, alguma hora, o uso da infantaria da informação, dos argumentos. Por isso, a longa e maciça campanha do PT para carimbar o governo Fernando Henrique Cardoso como um desastre deverá em certo momento voltar-se contra o criador.

FHC fez um governo com erros e acertos. Talvez mais acertos do que erros. Luiz Inácio Lula da Silva faz um governo melhor que o do antecessor, mas as comparações objetivas não são assim tão contrastantes, tão revolucionárias. O tucano fez privatizações bem criticáveis, como a da Vale, mas o PT no poder não reestatizou a empresa. Nem a candidata do PT diz que vai fazer isso.

A verdade é que o Brasil vem progredindo por etapas, mais rápido ou mais devagar, em especial desde a Revolução de 1930. A obra de cada presidente ergue-se sobre a herança dos anteriores. Depois de Getúlio Vargas é complicado dizer que algum tenha promovido rupturas. Talvez esse gradualismo tenha a ver com o desejo de não terem o destino do gaúcho.

Um americano, Seth Godin, relançou ano passado seu livro All the Marketers are Liars para reafirmar que, na opinião dele, todos os marqueteiros são mentirosos. E que o melhor marketing é a autenticidade. O exemplo recente seria Barack Obama (isso digo eu). É o político mais autêntico e transparente disponível, entre os planetariamente conhecidos.

Deu certo na campanha presidencial nos Estados Unidos, mas ainda está por dar certo no governo. A oposição republicana parece discordar radicalmente de Godin. Não propriamente no título do livro, mas na conclusão.

O PT também foi a seu tempo vítima do catastrofismo e da deturpação. Hoje recolhe os frutos de terem falhado os profetas do apocalipse. Diziam tantas barbaridades do que seria um eventual governo federal do PT que quando ele chegou ao poder a surpresa acabou sendo positiva. Aconteceu em 2003, mas teria acontecido antes, caso Lula tivesse subido antes a rampa do Planalto. A regra nos governos locais do PT pré-2002 sempre foi responsabilidade fiscal, gestão equilibrada da máquina pública e foco em benefícios estatais para os pobres. Como é agora em Brasília.

Em São Paulo, aliás, a administração Luiza Erundina (1989-92) acabou sendo tão austera que ela nunca mais conseguiu se eleger para um cargo executivo. Não foi só isso, mas teve a ver.

Prestar atenção excessiva ao que os políticos dizem em público uns dos outros é desperdício de tempo e energia. Nesse campo eles dão razão a Godin, pois mentem de modo compulsivo. O cálculo é simples: quanto mais o sujeito puder atrasar a consciência sobre a realidade dos fatos, melhor.

Se tiver sorte, na hora em que a ficha coletiva cair ele já estará sentado na ambicionada cadeira, e daí passará a administrar em posição de força o fato de ter mistificado no passado. Em geral não é tão difícil assim, pois o público quase tudo perdoa, se as coisas estiverem dando certo.

O político poderá dar-se ao luxo inclusive de arrepender-se . Desde, é claro, que o arrependimento não implique abrir mão do que conquistou com os meios dos quais agora se arrepende.

Por que FHC decidiu escrever o artigo do fim de semana em que se diz disponível para comparações entre o governo dele e o de Lula? Só ele poderá esclarecer. De qualquer modo, por mais desvantagem que o tucano leve, os números serão incapazes de chancelar a demonização promovida pelo PT e pelo governo ao longo destes sete anos. Assim, quando alguma racionalidade acabar introduzida no debate, é possível que FHC e o PSDB colham dividendos político-eleitorais.

A tática do PT é cartesiana. Como os números de Lula são melhores que os de FHC, não vale a pena promover uma volta ao passado. Simples de comunicar, mas não impossível de desconstruir. José Serra não é um fantoche de FHC, assim como Dilma está a anos-luz de ser um marionete de Lula.

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