quarta-feira, fevereiro 10, 2010

ELIO GASPARI

O AterroX de Eike Batista

O Globo - 10/02/2010


No final do ano passado, o empresário Eike Batista, que gosta de botar um X no final dos no mes de suas empresas, comprou a concessão da marina do Aterro do Flamengo e prometeu melhorá-la, informando que respeitaria as normas do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Como se trata de área tombada, tem mais é que respeitar. Podia-se supor que Batista apresentasse ao público um projeto arquitetônico para uma obra simples, harmoniosa, com a lembrança do objetivo daquele pedaço de maravilha: atender a quem tem barco mas não tem dinheiro para ser sócio do Iate Clube. Como disse o doutor: “Adoro o conceito americano de você ter que devolver tudo para a sociedade.” Infelizmente, começou a acontecer justo o contrário. Eike Batista quer tomar para si algo que pertence à sociedade: 100 mil metros quadrados do Aterro. Um projeto temporário, para uma competição náutica de março, prevê a construção de uma arquibancada VIP (chô, choldra), lojas e restaurantes. O mafuá funcionará durante três semanas e será desmontado. Nada impede que ainda neste ano ele reapareça.

Nessas, e em ocasiões semelhantes, quem quiser entrar na área da marina terá que comprar ingresso.

Suprema humilhação para o carioca: pagar para pisar num pedaço de chão do Aterro.

Eike Batista já é dono do Hotel Glória, que fica em frente. Ele pode anexar a marina de forma elegante.

Os seus hóspedes usarão o Parque com o conforto que o hotel lhes ofereça, mas ele não pode ser uma extensão do Glória à custa do lazer e do movimento de quem já pagou pelo Aterro.

Desde que a audácia do governador Carlos Lacerda e a obstinação de Lota Macedo Soares criaram o Parque do Flamengo, todos os espertalhões da política da cidade procuraram bicá-lo. Há anos a marina sofre a degradação de um regime de mafuá. Em 2006 tentaram impor aos cariocas uma monstruosa garagem de barcos. Foi derrubada pela Justiça. (A privataria de 1997 anunciava um empreendimento com shopping center, restaurantes, clube e, sobretudo, um centro de convenções, um Riocentro no Aterro.) O Parque, como a praia, é o pulmão social do Rio. Grátis como o ar e bonito como uma tarde de maio, ele ajuda a fazer do Rio o Rio. Santa Lota blindou-o e em 1965 conseguiu o seu tombamento. Nada pode ser construído ali sem a licença do Iphan e o respeito ao espírito do tombamento.

Em 2006, os privatas alegavam que a obra era essencial para as provas náuticas do Pan e para o prestígio internacional do Rio. Era mentira. Felizmente o Ministério Público defendeu o patrimônio da Viúva e desmascarou a patranha. Agora, a EBX diz que tem pressa. Se tem pressa, o problema é só dela. A montagem e desmontagem de mafuás é um truque vulgar. Projeto arquitetônico? Nada. Concurso público, como se fez com o Museu da Imagem e do Som? Nada. Até agora, o que se conhece é uma pífia montagem de divulgação da vila temporária da EBX. Ela ilustra um conjunto de estruturas que está mais para Buchenwald do que para Baía de Guanabara.

Caso o grupo dos X esteja em busca de novos negócios no ramo da privataria de bens culturais, aqui vai uma ideia: TajX Mall, uma marina, com lojas e restaurantes na margem esquerda do Rio Yamuna, com um acesso para os XClients pelos fundos do Taj Mahal.

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