O caminho que o presidente Lula escolheu, de afronta ostensiva ao Tribunal de Contas da União, determinando o prosseguimento de obras suspeitas de superfaturamento, é, sem dúvida, o mais perigoso de todos. Se fosse possível sinalizar graficamente esse caminho, sem nenhuma dúvida a seta indicaria com clareza: precipício.
O presidente Lula, juridicamente, é um agente político com plena independência para o exercício de assuntos de sua competência, mas sujeito, inexoravelmente, aos limites da Constituição da República e da lei.
Dada a natureza do cargo, ele fica a salvo de responsabilização civil por eventuais erros de atuação, a não ser que, por culpa grosseira, má-fé ou abuso de poder, configure violação ostensiva à lei.
No caso, ao passar por cima da Constituição federal e da legislação específica, que exigem a contratação e realização de obras pública pelos princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade, sempre pelo menor preço, a conduta faz lembrar velhas figuras típicas, previstas no Código Penal, uma das quais consiste em deixar o agente público de praticar ato de ofício contra disposição expressa de lei.
O que sugere a configuração de crimes contra a administração pública nessa conduta é a pretensão de satisfazer interesse ou sentimento pessoal, circunstância que se mostra clara na disposição do presidente Lula de garantir verba para obras que estão sob suspeição perante o Tribunal de Contas da União.
A referida Corte está instituída constitucionalmente como órgão auxiliar do Poder Legislativo e tem o dever de realizar, por iniciativa própria ou do Senado e da Câmara dos Deputados, a fiscalização "de contas das empresas supranacionais de cujo capital a União participe, de forma direta ou indireta", caso da Petrobrás.
Na hipótese, a julgar pelas notícias mais recentes, a decisão do presidente Lula resulta em retirar quatro caríssimas obras da Petrobrás da lista de projetos impedidos de receber recursos orçamentários por indícios de irregularidades. As mencionadas obras envolvem enormes interesses de empresas milionárias e isso faz com que o assunto se mostre realmente muito malcheiroso.
O chefe da Nação, a exemplo daquele trator dos sem-terra que massacrou os laranjais numa fazenda em São Paulo, parece ter feito a opção desastrada de passar por cima de tudo, Constituição, leis federais, princípios de direito e da administração pública. E corre o risco, como se disse acima, de violar até mesmo o Código Penal.
Essa afronta é insuportável não apenas para os integrantes do Tribunal de Contas da União: antes de tudo, representa um desaforo dos mais graves aos brasileiros, que ficam impedidos de ver a atividade de fiscalização daquela Corte "abrir a barriga" da Petrobrás nesses contratos, permitindo ver o que há lá dentro.
A estatal petrolífera, uma das mais poderosas do planeta, faz-nos o desfavor de enfiar goela abaixo de cada um de nós a gasolina mais cara da América do Sul. Nos tempos em que foi ministro da Fazenda, Delfim Netto sempre repetia que a Petrobrás é mais forte que o próprio Brasil e, por isso mesmo, em face desse enorme poder, sempre ficou à margem de maior fiscalização. Neste momento, em que a fiscalização ocorre, percebe-se que chega a incomodar a também poderosa candidata à Presidência da República pelo Partido dos Trabalhadores.
O mais incrível é que o presidente da República resolva ignorar as mais comezinhas regras de licitação e de moralidade pública, para determinar que tudo se faça a despeito das objeções essencialmente técnicas e jurídicas do Tribunal de Contas.
Não há a menor evidência de que os ministros e auditores do Tribunal de Contas estejam propositadamente agindo para contrariar o presidente Lula ou a sua preferida, enfim, que pretendam desestabilizar o polêmico e também malcheiroso PAC. O trabalho que realizam é de rotina e não pode deixar de ser efetivado, sob pena de eles próprios se desviarem da conduta deles exigida pela lei, ou seja, impedir negócios escusos e sobrepreço nas contratações das obras públicas. Caso se mostrassem omissos nessa tarefa, estariam sujeitos às regras do Código Penal, na parte de crimes contra a administração pública.
O mais desanimador está em verificar que a atitude do chefe da Nação, passando com seu trator por cima das leis federais e da Constituição, resulta claramente de interesses políticos e eleitorais, ou seja, pretende que as obras, ainda que sob suspeita de superfaturamento, sejam retomadas e concluídas a tempo de influir no resultado das eleições.
O interesse que deve prevalecer no caso não é o dele nem de seus opositores, mas da Nação, que já não suporta ficar prisioneira de escândalos sucessivos na área pública, levando a população a descrer da Justiça e aceitar a ideia aparentemente verdadeira de impunidade.
Lembra-se, finalmente, que a lei orçamentária, nesse episódio, parece estar sofrendo violação expressa, circunstância que remete mais uma vez ao Código Penal, que em seu artigo 315 dispõe: "Dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei." No caso, a lei em questão é a orçamentária, da qual, se ocorrer o desvio, emerge o elemento subjetivo do crime, que é o dolo.
É possível que a enorme aprovação pessoal que encontra acima do Trópico de Capricórnio esteja levando o presidente Lula a imaginar que tudo pode. Não é bem assim. Por coisas muitos menos graves, os promotores de Justiça do Estado de São Paulo estão investindo juridicamente contra prefeitos e presidentes de Câmaras Municipais, agentes políticos, como o presidente Lula, e obtendo a condenação de muitos deles.
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