Estratégia do silêncio
O ESTADO DE SÃO PAULO - 14/02/2010
Obama prometeu demais para o primeiro ano de sua política externa. Agora estaria evitando os aliados
Estaria um ferido Barack Obama se afastando do mundo?
Podemos desculpar os europeus por especularem nesse sentido. A Casa Branca anunciou no início do mês que o presidente não participará de uma reunião de cúpula entre Estados Unidos e União Europeia marcada para maio em Madri, obrigando os realizadores a cancelar o evento. O anfitrião desprezado, José Luis Rodríguez Zapatero, primeiro-ministro espanhol, fez uma visita de dois dias a Washington, mas seu pedido de reunião com Obama ou com o vice-presidente, Joe Biden, não foi atendido.
Zapatero disse ter encarado a recusa "sem problema". Mas não foi essa a reação que encontrou ao voltar para casa. O jornal espanhol El País publicou uma matéria intitulada "Obama dá as costas à Europa". O alemão Der Spiegel saiu com a reportagem "Ausência de Obama desaponta Europa".
Israelenses e palestinos também se perguntam sobre os planos do presidente. Nos 70 minutos do discurso de Obama sobre o Estado da União não foi feita nenhuma menção a Israel nem ao processo de paz no Oriente Médio. Pouco antes do discurso, Obama disse a um repórter que superestimou a capacidade de seu governo para renovar as negociações entre israelenses obstinados e palestinos recalcitrantes.
Há também o caso dos líderes iraquianos. Dois deles - o presidente regional curdo, Massoud Barzani, e o vice-presidente, Tariq al-Hashimi, líder da minoria sunita - estiveram em Washington nas últimas duas semanas. Ambos me falaram de sua grande preocupação sobre o comprometimento do governo Obama com a estabilidade e a democracia no Iraque. Isso se deve, em parte, ao fato de a retórica pública de Obama estar concentrada na retirada dos soldados americanos, e não nos projetos para o futuro do Iraque. "Compreendo que vocês estejam totalmente concentrados em retirar seus soldados até 2011", disse Hashimi. "Mas o que acontecerá depois disso?"
Será que o desapontamento dessas pessoas é justificado? Estaria Obama dando as costas às questões internacionais como reação aos problemas políticos domésticos?
A Casa Branca poderia argumentar que isso não é verdade, e com razão. Apesar de o presidente ter economizado na política externa durante o discurso do Estado da União e estar visivelmente concentrado nas questões domésticas desde a eleição de Scott Brown para o Senado, a diplomacia de Obama ainda transmite uma impressão de vigor. Seus enviados estão ocupados tentando reunir votos favoráveis a uma resolução do Conselho de Segurança da ONU impondo ao Irã duras sanções. Obama tem viagem marcada para Austrália e Indonésia no mês que vem, e uma reunião de cúpula sobre o desarmamento é preparada para abril em Washington. Um novo tratado com a Rússia sobre armamentos estratégicos está próximo da conclusão.
No Oriente Médio, o enviado George Mitchell segue trabalhando na tentativa de convencer israelenses e palestinos a voltarem às negociações, apesar da desanimada declaração do presidente. Quanto ao Iraque, Biden esteve no país há apenas duas semanas, quando trabalhou - pela segunda vez nos últimos três meses - para evitar uma crise que poderia prejudicar as próximas eleições.
Ainda assim, detectar um recuo do presidente não é uma interpretação equivocada. Em parte, isso faz sentido - assim como fez nas questões domésticas, Obama estabeleceu objetivos excessivamente numerosos para o primeiro ano de sua política externa. A perspectiva de uma paz entre israelenses e palestinos no curto prazo não é animadora, e assim o presidente tem razão ao deixar que um enviado cuide da questão. Obama fez seis visitas à Europa em 2009, com frequência para participar de reuniões que não produziram muitos resultados. Seus assessores têm razão em querer empregar com mais sabedoria o tempo que o presidente passará em viagem este ano.
Mas o recuo de Obama tem também um aspecto inquietante. Zapatero não é o único a encontrar dificuldades no estabelecimento de boas relações com a atual Casa Branca: diferentemente da maioria de seus antecessores, Obama não firmou laços de proximidade com nenhum dos líderes europeus. O britânico Gordon Brown, o francês Sarkozy e a alemã Angela Merkel se sentiram desprezados por ele, cada qual por sua vez. As relações entre Obama e o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, são tensas, na melhor das hipóteses. George W. Bush costumava realizar videoconferências frequentes com o primeiro-ministro iraquiano, Nouri al-Maliki, e o presidente afegão, Hamid Karzai. Obama conversou com eles em apenas algumas ocasiões.
A popularidade de Obama em muitas partes do mundo continua forte. Zapatero disse ao conselho editorial do Washington Post que "na Espanha, a eleição (de Obama) foi vivida como se fosse uma eleição em nosso próprio país". Mas, em seu primeiro ano de governo, o novo presidente não estabeleceu essa mesma conexão com os líderes dos principais países aliados dos EUA. Agora Obama está transmitindo a esses líderes a mensagem de que o tempo dedicado pelo presidente americano a eles será reduzido. Talvez, como Zapatero expressou tão diplomaticamente, isso não seja problema. Mas duvido que estivesse realmente pensando isso.
Tradução de Augusto Calil
Nenhum comentário:
Postar um comentário