FOLHA DE SÃO PAULO - 14/02/10
Uma dúvida: ir à avenida ver o desfile das escolas de samba ou ficar em casa no ar refrigerado e dormir cedo?
Uma dúvida: ir à avenida ver o desfile das escolas de samba ou ficar em casa no ar refrigerado e dormir cedo?
EM ALGUMAS cidades do Japão, as prefeituras montam no último dia do ano, na praça principal da cidade, um palco onde as pessoas botam para fora, em alto e bom som, tudo o que as incomodou no ano anterior; escancaram seus desejos mais secretos e confessam as humilhações e vergonhas por que passaram. Um misto de confissão/ psicanálise, só que público. Gritar bem alto "odeio minha sogra", "não aguento mais meu marido" ou "não vejo a hora do meu filho ir morar sozinho". Você teria essa coragem? Pois os japoneses têm, e consta que se dão muito bem.
A qualquer mulher, mesmo apaixonada, já ocorreu um dia o pensamento "como meu marido está chato", é claro. E qual a mulher que, fazendo as compras do mês, mesmo que seja por telefone, não tem vontade de rasgar a lista, entrar num cinema bem refrigerado e só sair às oito da noite? A geladeira está vazia? Eles que se virem. E quantas não gostariam de dizer "odeio ter de almoçar com minha mãe todos os domingos, odeio festas de Natal, odeio comidas de Natal, preferia mil vezes estar vendo um filme na televisão e comendo um sanduíche (sozinha)".
Só que não podem, têm as crianças. Aí eu me pergunto: uma mulher assim deve tentar se modificar e fazer tudo o que -dizem- uma mãe deve fazer, ou tem o direito de ser ela mesma -e as crianças que aceitem ter uma mãe fora dos padrões estabelecidos sem, por isso, ficarem infelizes e neuróticas? E se, no fundo, elas também odiarem o Natal, a não ser pelos presentes? Criança é muito interesseira, como todo mundo sabe.
Gritar essas verdades em praça pública deve fazer muito bem à alma, mas e aí? Gritar resolve o problema, ou a gente grita e vai comprar o peru de Natal? Tenho uma amiga que, quando chega o Carnaval, tem problemas: vai à avenida ver o desfile das escolas de samba ou fica em casa no ar refrigerado e dorme cedo? A camiseta está em cima da cadeira, são quatro horas da tarde e a dúvida continua.
Sossegou, enfim, ou ainda quer se sacudir, num calor de cão, para ver o grande espetáculo? Algumas coisas já estão claras: Beyoncé nem pensar, e bom mesmo seria ver um show de Bethânia cantando só os sucessos antigos, mas sabe que isso nunca vai acontecer. O jeito é pensar em bobagens para não ter que pensar se, afinal, vai ou não vai.
Como um sushi e um sakê são tão deliciosos nesse calor, lembra dos japoneses: afinal, o Carnaval é para soltar os bichos, e a avenida é um belo lugar para desabafar. Poder cantar bem alto, falar tudo que a incomodou em 2009; se conseguir, quem sabe vale a pena? É a ocasião de se vestir como quiser, botar uma flor no cabelo e pensar que a vida é boa. A camiseta está olhando. Afinal, vai ou não? É a hora de finalmente descobrir quem é, antes que seja tarde.
As possibilidades são: se for, pode ser que adore; mas, também, pode voltar cedo para casa, maldizendo o Carnaval. Se não for, vai ficar sozinha, pensando em como é feliz por não ter se espremido numa van lotada para ver, mais uma vez, o que já viu tantas vezes, com um único consolo: quando cansar do samba, é só desligar a TV, que ótimo. No fundo, é o eterno problema de dizer "sim" ou "não" à vida.
Vai, é claro, pois sempre ouviu falar que é sempre melhor se arrepender do que fez, do que do que deixou de fazer. Mas também sabe, por experiência própria, que se arrepende amargamente de várias coisas que já fez.
Faz parte.
A qualquer mulher, mesmo apaixonada, já ocorreu um dia o pensamento "como meu marido está chato", é claro. E qual a mulher que, fazendo as compras do mês, mesmo que seja por telefone, não tem vontade de rasgar a lista, entrar num cinema bem refrigerado e só sair às oito da noite? A geladeira está vazia? Eles que se virem. E quantas não gostariam de dizer "odeio ter de almoçar com minha mãe todos os domingos, odeio festas de Natal, odeio comidas de Natal, preferia mil vezes estar vendo um filme na televisão e comendo um sanduíche (sozinha)".
Só que não podem, têm as crianças. Aí eu me pergunto: uma mulher assim deve tentar se modificar e fazer tudo o que -dizem- uma mãe deve fazer, ou tem o direito de ser ela mesma -e as crianças que aceitem ter uma mãe fora dos padrões estabelecidos sem, por isso, ficarem infelizes e neuróticas? E se, no fundo, elas também odiarem o Natal, a não ser pelos presentes? Criança é muito interesseira, como todo mundo sabe.
Gritar essas verdades em praça pública deve fazer muito bem à alma, mas e aí? Gritar resolve o problema, ou a gente grita e vai comprar o peru de Natal? Tenho uma amiga que, quando chega o Carnaval, tem problemas: vai à avenida ver o desfile das escolas de samba ou fica em casa no ar refrigerado e dorme cedo? A camiseta está em cima da cadeira, são quatro horas da tarde e a dúvida continua.
Sossegou, enfim, ou ainda quer se sacudir, num calor de cão, para ver o grande espetáculo? Algumas coisas já estão claras: Beyoncé nem pensar, e bom mesmo seria ver um show de Bethânia cantando só os sucessos antigos, mas sabe que isso nunca vai acontecer. O jeito é pensar em bobagens para não ter que pensar se, afinal, vai ou não vai.
Como um sushi e um sakê são tão deliciosos nesse calor, lembra dos japoneses: afinal, o Carnaval é para soltar os bichos, e a avenida é um belo lugar para desabafar. Poder cantar bem alto, falar tudo que a incomodou em 2009; se conseguir, quem sabe vale a pena? É a ocasião de se vestir como quiser, botar uma flor no cabelo e pensar que a vida é boa. A camiseta está olhando. Afinal, vai ou não? É a hora de finalmente descobrir quem é, antes que seja tarde.
As possibilidades são: se for, pode ser que adore; mas, também, pode voltar cedo para casa, maldizendo o Carnaval. Se não for, vai ficar sozinha, pensando em como é feliz por não ter se espremido numa van lotada para ver, mais uma vez, o que já viu tantas vezes, com um único consolo: quando cansar do samba, é só desligar a TV, que ótimo. No fundo, é o eterno problema de dizer "sim" ou "não" à vida.
Vai, é claro, pois sempre ouviu falar que é sempre melhor se arrepender do que fez, do que do que deixou de fazer. Mas também sabe, por experiência própria, que se arrepende amargamente de várias coisas que já fez.
Faz parte.
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