Botar os impostos em cima da mesa
O ESTADO DE SÃO PAULO - 15/01/10
Apesar de ser tarefa quase impossível em ano eleitoral, quando graves questões são empurradas com a barriga - para não comprometer alianças políticas, financiamentos de campanha, etc. -, é impossível deixar passar sem registro problemas graves na área fiscal, que, postos sobre a mesa e solucionados, poderiam resolver ou atenuar deficiências alarmantes na área social.
Pode-se começar pela premência de solução para a questão da "guerra fiscal", algumas vezes já abordada neste espaço. Não há uma quantificação precisa dos "incentivos fiscais" concedidos em quase todos os Estados, a pretexto de estimular a instalação de mais empresas, com geração de postos de trabalho, mas que contribuem fortemente para a concentração da renda, já que a quase totalidade dos impostos estaduais e/ou municipais sobre produtos nelas gerados é paga pelos consumidores, pela sociedade, porém não precisa ser recolhida pelas beneficiárias. Não será exagero, entretanto, dizer que esses "incentivos" no País já somam muitas centenas de bilhões de reais. Basta ver o exemplo de Goiás (poderiam ser outros Estados), onde eles já passaram de R$ 80 bilhões e só em 2009 estiveram próximos de R$ 10 bilhões, quando em um ano a receita tributária ali foi pouco superior a isso e a dívida estadual chega a R$ 12 bilhões. A contrapartida alegada - os postos de trabalho "gerados" - fica apenas no terreno das estimativas, pois não é exigida nos contratos. Mesmo que concretizada, naquele Estado cada posto de trabalho (160 mil alegados) custou R$ 500 mil em "incentivos", valor muitas vezes acima da média habitual.
Não é preciso repetir aqui todas as estatísticas preocupantes em várias áreas dos serviços públicos no País. Basta relembrar números comentados em editorial por este jornal (15/12/2009, A3), segundo o qual, no ritmo de hoje, a coleta de esgotos no País, por deficiência de recursos, só será universalizada em 66 anos (atende atualmente a 42% da população). Entre outras razões, porque, dos recursos alocados - em 2008, por exemplo, R$ 12,2 bilhões -, menos de metade foi utilizado. E a saúde? A educação?
E não são apenas essas as variáveis do problema fiscal. Para assegurar a produção na mais recente crise econômica numerosas isenções de impostos foram concedidas - mais uma vez, beneficiando somente certos setores, mas prejudicando áreas carentes de serviços públicos. E de novo sem exigir nenhuma contrapartida (por exemplo, menores níveis de poluição para carros). Segundo o ministro da Fazenda, essas "desonerações" na área federal chegaram a "12 ou 13 bilhões de reais".
Mais um ângulo: a gigantesca "dívida ativa" da União, que soma os impostos não pagos e já reconhecidos: R$ 650 bilhões, segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (Agência Estado, 23/8/2009). É outro processo infindável, em que boa parte dos devedores se inscreve em programas (Refis) para parcelar o pagamento, não cumpre, inscreve-se de novo. Da mesma forma no eterno parcelamento de dívidas de parte dos produtores rurais, que, ao fim de longos períodos, acabam sendo perdoadas. O que não daria para fazer com esses recursos?
Na atual crise da renegociação da dívida (R$ 4,1 bilhões) da empresa estatal de energia de Goiás, acumulada ao longo de quase três décadas, outro ângulo está sendo posto em evidência: o dos subsídios no preço da energia para empresas do chamado setor de eletrointensivos (alumínio, ferro-gusa e outros). Nesse caso, relatório da Fundação Instituto de Pesquisas da Universidade de São Paulo afirma que os subsídios a uma única empresa no nordeste goiano chegaram nessas décadas a R$ 1,5 bilhão - incentivos federais repassados ao Estado e que hoje significam mais de 36% da dívida da empresa.
Mas o relatório também ressalta mais um ângulo, costumeiro em processos de privatização: a empresa de energia goiana, que possuía uma usina de geração, foi levada pelo governo do Estado em 1996 a vendê-la a uma empresa privada. A receita da venda não foi repassada à estatal, que ainda passou a comprar energia de outras geradoras por preços mais de 50% superiores aos vigentes até então.
Por aí se entra em outro terreno minado: o dos subsídios em geral ao setor de eletrointensivos, tantas vezes já posto em evidência por questões como a de Tucuruí, uma usina que exigiu altos investimentos do poder público e gerou graves questões sociais e ambientais, já comentadas neste espaço. E que em duas décadas concedeu subsídios no valor de muitos bilhões, repassados à conta de cada residência ou empresa no País. Os críticos dizem que o quadro se repetirá se liberada a construção da Usina de Belo Monte. Adicionando material para a discussão desse problema, muitas vezes já apontado pelos relatórios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud): países industrializados repassam aos demais a produção de bens dessa natureza, de alto custo (no alumínio, por exemplo, a energia representa mais de 50% do custo final), sem compensá-los pelos ônus sociais e ambientais dessa produção.
Neste momento, dois países estão engolfados nessa questão. O primeiro é a Venezuela, onde o governo ameaça fechar as empresas estatais do setor, que consomem um quarto da energia no país, às voltas com uma crise energética (Estado, 5/1). E o Vietnã, onde um general da guerra da década de 1960 comanda a oposição ao projeto de exploração intensiva de bauxita por uma empresa da China, por entender serem os riscos sociais e ambientais muito altos. No Brasil mesmo, são muitas as polêmicas que cercam projetos de novas hidrelétricas, nas quais seria alto o consumo de energia por empresas eletrointensivas. Em países capitalistas ou socialistas, não muda a questão.
São muitos os ângulos da questão fiscal a serem postos na mesa. Se não o forem, continuará subindo a carga tributária total, já em R$ 1 trilhão.
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