Ontem, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet, passou uma descompostura nos governos de alguns países-membros da União Europeia por sua indisciplina fiscal.
No depoimento que deu depois da reunião que definiu pela manutenção dos juros básicos em 1,0% ao ano, Trichet denunciou o crescente desequilíbrio das finanças de "muitos governos da área do euro".
Ele advertiu que a escalada do rombo orçamentário obriga os tesouros nacionais dos países deficitários a recorrer crescentemente a levantamentos de empréstimos e os credores já estão exigindo juros cada vez mais elevados. Num segundo momento, a perda de confiança reduz o investimento privado, deteriora os fundamentos da economia e, assim, o crescimento econômico futuro fica comprometido.
E avisou que essa situação obriga a que o BCE force sua política monetária (política de juros) para compensar o estrago provocado pelos governos em sua política fiscal.
Paralelamente, disse ele, perdem credibilidade tanto os tratados da União Europeia como o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), que exigem equilíbrio fiscal dos governos dos países-membros do bloco.
Os casos mais graves não precisaram ser citados. São Espanha, Itália, Irlanda, Portugal e Grécia. Mas o problema não se limita a esses. O simples uso da expressão "muitos governos da área do euro" (many governments e não some governments), dá a entender que há mais países encrencados entre os 16 participantes da área do euro. A situação quase limite é a da Grécia, cujos títulos de dívida estão sendo fortemente ameaçados de rebaixamento.
Trichet lembrou que não vai dar um tratamento especial para a Grécia, mas não foi claro sobre se o BCE continuaria aceitando os títulos de dívida do Tesouro grego como garantia das operações de crédito com as instituições financeiras. Em todo o caso, ficou a impressão de que o tratamento será duro: "não vamos mudar nossas normas sobre colaterais (garantias) em favor de qualquer país".
A crise global parece ter-se tornado pretexto para que os governos da União Europeia perdessem o controle do cofre. Tanto o Tratado de Maastricht, que criou o euro e a União Monetária Europeia, como o PEC proíbem déficits orçamentários superiores a 3% do PIB e dívidas públicas superiores a 60% do PIB. O déficit do ano passado da Grécia deve ter ficado nas proximidades dos 12,5% do PIB e o da Itália, por volta dos 5,5%. As dívidas dos dois países são superiores a 120% do PIB. Se ainda não é a desmoralização, é uma situação que se encaminha para isso. E, se o BCE passar a rejeitar os títulos de dívida de certos países-membros da União, fica difícil evitar que a quebra de confiança contamine o resto do clube.
No mais, as denúncias feitas por Trichet deveriam ser tomadas como paradigma para os dirigentes do Banco Central do Brasil que normalmente ou se omitem ou se agacham diante da escalada da gastança do governo federal e das suas consequências sobre a inflação.
Como Trichet está demonstrando, não pode haver separação entre os campos fiscal e monetário. O mau desempenho num deles compromete o outro e compromete o todo.
Confira
Dureza com os gatos gordos - O presidente Obama não tem nada a perder politicamente se for duro com os administradores dos grandes bancos.
Eles afundaram seus bancos com gestões irresponsáveis, obrigaram o Tesouro dos Estados Unidos a despejar US$ 730 bilhões para salvá-los da falência e ainda querem manter as centenas de milhões de dólares em gratificações de desempenho ("bônus obscenos").
É tão grande a indignação popular contra os "gatos gordos" que deverá ser fácil a aprovação do novo imposto dos bancos: "taxa de responsabilidade na crise financeira". |
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