O BANCO CENTRAL da China surpreendeu o mercado financeiro ao dar dois passos seguidos na direção de um aperto nas condições monetárias da economia. Como é o padrão chinês, são medidas graduais, definidas unilateralmente pelo governo, mas que têm um objetivo claro a ser perseguido. No momento atual, o sinal dado é o de que a economia já se recuperou de forma sólida e a ameaça de um superaquecimento no futuro já é considerável. Para um governo cauteloso em seus movimentos, é uma prova de que já há mais confiança nos meios dirigentes de Pequim. Sabe-se hoje que o governo chinês tomou um grande susto com o agravamento da crise econômica mundial depois de setembro de 2008. A economia caiu em um verdadeiro precipício, principalmente nos setores voltados para a exportação de bens industriais, o que levou a demissões em massa no setor privado da economia. O colapso do comércio internacional mostrou de forma clara a dependência do modelo chinês em relação ao consumo no mundo desenvolvido. Para um país que procura construir uma posição geopolítica de grande potência, essa fragilidade foi assustadora. Por outro lado, com seu equilíbrio social vinculado ao sucesso na absorção de centenas de milhões de chineses na chamada economia de mercado, essas flutuações cíclicas de grandes proporções podem ser altamente perigosas. O governo chinês sabe que, para ter sucesso em sua estratégia de construir uma grande potência, será necessário mais de uma década de crescimento continuado, sem grandes flutuações. Por isso, a tomada de consciência da dependência chinesa em relação aos ciclos das economias desenvolvidas fez as lideranças colocarem as barbas de molho. Analistas que acompanham o governo chinês de forma mais sistemática são unânimes em reconhecer o susto tomado e prever mudanças profundas na gestão da economia no futuro. Para Stephen Roach, do banco Morgan Stanley, o instrumento efetivo para isso será o 12º Plano Quinquenal, que cobrirá o período de 2011 a 2016. Segundo esse analista experiente em China, o governo vai seguir a recomendação de vários economistas, aumentando a participação do consumo dos chineses na composição do PIB (Produto Interno Bruto). Com isso, pode reduzir a importância das exportações industriais para o Primeiro Mundo e moderar o impacto das flutuações cíclicas das economias mais maduras sobre a velocidade do crescimento chinês. O consumo das famílias representa hoje apenas 35% da formação do PIB e precisaria ser de, pelo menos, 45% ou 50% para acomodar uma participação menor das exportações. Também são conhecidas as principais medidas que deverão ser tomadas para atingir esse objetivo. Entre elas, a criação de uma rede de proteção social -que leve o chinês médio a reduzir sua taxa de poupança- e a expansão do setor de serviços seriam as mais importantes. Mas o movimento recente do Banco Central não tem nada a ver com essa mudança de rumo. Ele está associado a uma correção tática na medida em que a economia mostra sinais de que voltou a uma dinâmica de crescimento sustentado. É a primeira grande economia que inicia um movimento sistemático de redução dos estímulos monetários -e certamente fiscais- colocados em prática nos dias negros que se seguiram à quebra do banco Lehman Brothers.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 67, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso). |
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