Muvuca no câmbio
FOLHA DE SÃO PAULO - 15/12/09
Estamos fazendo a pergunta errada. A indagação correta é: Como tirar mais proveito do novo cenário e alavancar o desenvolvimento?
O REAL é a moeda que mais se valorizou em 2009 e foi uma das mais voláteis. Sua trajetória é motivo de preocupação para operadores no mercado financeiro, que podem abrir e fechar posições em segundos. Para alguns setores da indústria e da agricultura, uma taxa de câmbio desfavorável significa prejuízos que em algumas ocasiões inviabilizam a continuidade da produção.
Os números do PIB divulgados na última quinta-feira mostram um produto agropecuário no último trimestre 9% inferior ao de um ano atrás, e o da indústria, 6,9% menor. Parte expressiva dessa queda é efeito da valorização do câmbio. Enquanto o consumo já superou o nível de 2008, a recuperação de alguns desses setores só ocorrerá em 2011. Há sobras de motivos para desespero.
Há também efeitos positivos na apreciação da moeda nacional, como o barateamento das importações, o controle da inflação, juros mais baixos e maiores possibilidades de consumo. Em vésperas de uma eleição, uma desvalorização pode ter sequelas. Entretanto, o governo está sinalizando, com o aumento do IOF e as propostas de autorizar mais investimentos fora, o propósito de conter a valorização do real.
O diagnóstico das autoridades brasileiras está correto, mas as terapias usadas e as sugeridas não curam a doença que aflige os produtores locais, apenas alguns dos sintomas -e com efeitos secundários.
Sua capacidade de influenciar a taxa de câmbio é restrita, pois, numa economia aberta, o preço do dólar é determinado por fatores externos, como a evolução da economia nos EUA e os preços internacionais das commodities, e internos, como as expectativas de fluxos comercial e financeiro e a taxa de juros local.
O IOF sobre câmbio foi uma tentativa de conter a valorização do real, mas indicou para os investidores que o Brasil não quer investimentos externos. Para crescer, o país não pode prescindir desses recursos. Há um deficit de poupança, e aumentos de investimento interno só são viáveis com fluxos maiores do resto do mundo.
Uma proposta em pauta é permitir maiores aplicações fora do país. Com a compra de ativos estrangeiros, haveria uma demanda maior por dólares e isso contribuiria para desvalorizar o real. Também transferiria problemas dos setores afetados para o setor de fundos, pois atividades realizadas por instituições financeiras locais seriam feitas por empresas no exterior, ao deslocar seus ativos para lá.
A bem da verdade, o quadro conjuntural atual é uma oportunidade.
Poder-se-ia catalisar a vocação de São Paulo como centro financeiro internacional e porta de investimentos para a América do Sul, à semelhança do que Londres é na Europa e Hong Kong na Ásia. Em vez de trasladar empregos para fora, seriam criados mais postos de trabalho aqui dentro.
A concretização desse projeto depende apenas de mudar o tratamento dado a ativos financeiros estrangeiros. As restrições existentes são da época que o Brasil tinha escassez crônica de divisas. Hoje, o problema é o oposto. Atualmente, uma empresa não tem limites para estocar carros americanos, vinhos argentinos e perfumes franceses, mas tem restrições para guardar dólares, pesos e euros.
É um anacronismo com efeitos adversos na taxa de câmbio e, o que é pior, no produto e no emprego.
O que é um problema, o excesso de dólares, é uma oportunidade. O sistema financeiro nacional é sofisticado e seguro e tem capacidade de absorver mais do fluxo externo oferecendo ativos em divisas para clientes no país e no exterior. Essa medida, a liberação do câmbio, enalteceria seu papel de canalizador de investimentos para os setores produtivos da economia e diminuiria a volatilidade cambial. Fazer de São Paulo o centro bancário da América do Sul é viável e favorável.
Há mais a ser feito, pois, enquanto no mercado financeiro as idas e vindas da cotação do dólar resultam em lucros e prejuízos, nos setores mais afetados são um risco à sobrevivência.
Medidas para aumentar sua produtividade estão na ordem do dia: eliminação de gargalos da infraestrutura, elevação da segurança física e institucional, realização de reformas microeconômicas e racionalização maior de gastos e tributos do governo.
O ponto do artigo é que está se fazendo a pergunta errada: o que fazer para voltar ao passado? Ou seja, desvalorizar o câmbio e pressionar a inflação e, dessa forma, auxiliar a indústria e a agropecuária.
A indagação correta é: como tirar mais proveito do novo cenário e alavancar o desenvolvimento?
ROBERTO LUIS TROSTER , 59, doutor em economia pela USP, é sócio da Delta. Foi economista-chefe da Febraban, da ABBC e do Banco Itamarati.
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