terça-feira, novembro 24, 2009

VINÍCIUS TORRES FREIRE

O colchão e o arco-íris


Folha de S. Paulo - 24/11/2009

Juros reais de curto prazo nos EUA voltam a cair abaixo de zero, como no grande pânico de 2008, mas ações sobem

EM TEMPOS menos anormais, nos países do centro do mundo, depois que ativos tais como ações vivem longas temporadas de alta, grandes investidores agem de modo a antecipar uma alta de juros. Em miúdos, os juros sobem. As Bolsas teriam subido devido a taxas de juros baixas e crescimento econômico maior. Isto é, devido à perspectiva de lucros maiores e ganhos de capital. Mas tais ciclos chegam a um fim. A economia é desaquecida e a vida segue -as coisas parecem assim ordenadas em manuais de economia, mas vá lá. Quando a perspectiva dos juros é de alta, as Bolsas tendem a estacionar ou cair.
Nestes tempos mais anormais que de costume, o rendimento real de títulos do Tesouro americano de curto prazo voltou a mergulhar no vermelho na semana passada. Os papéis rendem menos do que zero -perde-se dinheiro investindo na dívida americana. Mas as Bolsas já subiram muito e continuam a subir como se na ponta dessa curva de alta ainda houvesse um pote de ouro, embora até o arco-íris tenha uma inflexão na direção da terra.
Aparentemente, há dinheiro barato bastante no mundo para que os investidores comprem ações, commodities (petróleo, ouro), imóveis e, também, para que alguns outros mais desconfiados da euforia comprem títulos públicos (quando a procura de títulos é grande, seu preço sobe, seu rendimento cai). Porém, note-se ainda que quem compra títulos do Tesouro não acredita que as taxas de juros vão subir tão cedo (se as taxas sobem, o preço dos títulos cai), seguindo de resto indicações dadas pelo Banco Central americano, na semana passada. Em tese, portanto, essa parte precavida e desconfiada do mercado não acredita nem em alta de juros nem na perspectiva de altas maiores no preço de ações, commodities etc., que já estariam exagerados. Ou seja, acreditam em crescimento baixo por um "extended period", como diz o Fed, sobre sua política de juro zero, e em "correção" nas Bolsas.
Títulos americanos ("treasuries") de três meses rendem agora 0,02%. Em tempos recentes, desceram a esse nível apenas nos dias dos grandes pânicos de 2008, como em meados de setembro, nos dias da quebradeira de bancos nos EUA, ou em dezembro (em junho de 2008, a taxa era ainda de 2%). Diante da catástrofe, era melhor estacionar o dinheiro em papéis do governo e perder algum, dado o rendimento negativo, do que perder tudo no mercado que derretia. Em suma, os investidores mais sofisticados do mundo guardavam dinheiro no colchão.
O cenário de agora é um tanto desconcertante. Há tanto adeptos bem definidos do colchão (que preferem "treasuries") como da especulação (que creem em mais altas na Bolsa).
Mas as duas turmas não podem, em tese, estar simultaneamente "certas" durante muito tempo.
O partido da especulação tem o apoio da turma que faz previsões sobre o destino do dólar, que demoraria a subir mesmo depois do início discreto da alta de juros nos EUA, na segunda metade de 2010, segundo levantamento da agência de notícias financeiras Bloomberg. Dólar barato, em todos os sentidos da expressão "barato", costuma implicar commodities em alta, por exemplo.
E real também em alta.

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