Aço de sobra
O GLOBO - 21/10/09
O presidente da Vale, Roger Agnelli, disse que o presidente Lula está no papel dele. Não está.
Estaria, se estivesse estimulando as empresas em geral a investir no país. Mas Lula está perseguindo uma empresa. Só fala dela! A siderurgia tem capacidade de produção 117% acima da demanda interna, num mundo com excesso de oferta. Não fará grandes investimentos no curto prazo
Agnelli apresentou ao presidente Lula investimentos que já estavam programados e cujo ritmo havia sido reduzido depois da crise.
Apresentou como coisa nova. E disse que os investimentos no Espírito Santo e no Pará estão dependendo de licença ambiental.
Cometeu assim dois erros. Deu a impressão de estar cedendo às pressões do presidente, como se só tivesse pensado nesses investimentos após as admoestações de Lula, e culpou o suspeito usual: o meio ambiente.
Vamos aos fatos: o setor siderúrgico teve uma queda enorme de demanda desde a crise. Ele foi o mais afetado.
A demanda interna de aço este ano é de 20,8 milhões de toneladas; e 1,5 milhão de toneladas são importadas.
Isso significa que o setor consegue vender no mercado interno 19,3 milhões de toneladas e tem uma capacidade de produção este ano de 42 milhões de toneladas.
No ano que vem, terá 43,5 milhões. Em 2010, entra em operação a CSA, com capacidade de produzir mais cinco milhões de toneladas.
Sem contar a CSA, sobram 22 milhões de toneladas no Brasil para exportar.
O setor tem exportado bastante, mas a crise reduziu a demanda externa também. E pior, como vários projetos de aumento da capacidade já estavam em andamento, haverá um aumento da oferta mundial. O excedente é calculado pelo setor em 600 milhões de toneladas.
Diante disso, as siderúrgicas no mundo inteiro estão avaliando com muito cuidado seus planos de investimento.
Por isso, fica mais estranha a insistência com que o presidente Lula, dia sim e no outro também, acusa a Vale de não investir em siderurgia.
Houve até esta semana uma estranha reunião para discutir o “problema” da Vale.
Dela participaram, além de Roger Agnelli, da Vale, o presidente Lula, a candidata Dilma Rousseff, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o presidente da Previ, Sérgio Rosa, o representante do grupo Mitsui Oscar Camargo, e João Moisés de Oliveira, da Bradespar.
Alguns tinham razão de estar numa reunião para discutir planos de investimento da Vale, outros não. Separando os corpos: tinham razão para estar na reunião a Bradespar, a Previ, a Mitsui e o BNDES. São acionistas da empresa. Os outros — Lula, Dilma, Mantega — não tinham razão alguma de estar cobrando investimento de uma empresa privada.
Num evento em São Paulo, Lula disse que “a Vale não pode ficar sentada no Rio pensando que é grande.” Ela não está sentada no Rio; e ela é grande. É a maior exportadora líquida do Brasil e está em inúmeros países investindo, prospectando oportunidades, vendendo.
Já era grande quando estatal, é maior ainda depois que foi privatizada.
Melhor faria o presidente Lula se olhasse o investimento realizado pelo governo. É pequeno e está muito abaixo do que foi orçado. Pode também se preocupar com o fato de que pelo décimo primeiro mês consecutivo o país está com queda de arrecadação.
Portanto, o momento não é de aumentar gastos de custeio como ele tem feito. Enfim, se o presidente quer se preocupar com questões gerenciais, há vários na esfera governamental com os quais se ocupar, se lhe sobrar tempo em sua agenda tomada pela campanha presidencial de 2010.
Toda essa história é lamentável porque nem o governo nem a empresa se comportam como deveriam.
O presidente pressiona uma empresa privada, e a direção desta prefere fingir que está cedendo às pressões.
O texto do repórter Gerson Camarotti, publicado ontem no GLOBO, informa que a avaliação do governo é que o presidente “ganhou a queda de braço com a Vale.” Fica claro assim que tudo foi feito apenas num jogo de aparências para ser usado em algum discurso nos próximos palanques: o presidente da República ataca verbalmente uma empresa grande, emblemática. O presidente da empresa, em vez de mostrar que ele está invadindo esfera privada de decisão, diz que ele está em seu papel, apresenta projetos e culpa as licenças ambientais. O jogo dá certo. Lula pode dizer que os investimentos foram anunciados porque ele pressionou, que ele “venceu a queda de braço”; Agnelli culpa o meio ambiente para fugir da briga.
Antes da privatização, as empresas siderúrgicas deram prejuízos imensos ao governo.
Com raras exceções.
Depois, elas investiram US$ 25 bilhões, numa primeira fase, modernizando as usinas, e depois aumentando a capacidade de produção.
Com a queda da demanda brasileira e global, o que os administradores devem fazer para não pôr as empresas em risco é estudar cuidadosamente os investimentos. A Vale é mineradora, mas tem investimentos em siderurgia; pode e deve ampliá-los para aumentar o valor agregado do que exporta. Mas o cronograma do investimento é assunto da empresa
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