Quem acha que os políticos brasileiros têm visão de curto prazo não conhece o deputado Luiz Carlos Heize. Ele é gaúcho, engenheiro agrônomo, fazendeiro e abarca na vida pública um horizonte mais vasto que o dos campos de soja em seu Estado, pelo menos quando se trata de desmontar o Código Florestal.
O código caiu nas mãos calejadas dos ruralistas. E vai sendo levado para o abate pelo cabresto da comissão especial que prepara sua reforma na Câmara dos Deputados, o que deu a Heize a oportunidade de provar que enxerga longe, sobretudo os assuntos mais próximos de seus interesses pessoais. Ele acredita que o Código Florestal - como a soja transgênica, que o deputado defende - é essencialmente um produto importado.
Está no Brasil para semear a ideia de "que os trouxas aqui têm de preservar, depois que a Europa, há 8 mil anos, já desmatou o que tinha". Isso é que se chama visão histórica. Ou melhor, pré-histórica. A última palavra da política brasileira em matéria de competição internacional desabrochou na oratória de um deputado que, não faz muito tempo, mal conseguia avistar, do alto de seu terceiro mandato, o que acontecia no País quando ele tinha cerca de 15 anos.
Naquele tempo, o Congresso aprovou o Código Florestal. Era o segundo que o Brasil fazia para depois não usar. O primeiro, então ultrapassado, datava de 1934. E continuava mais virgem do que as florestas que tentou manter. Legisla-se há 75 anos sobre a conservação de matas no Brasil, sem contar as ordenações portuguesas e outras velharias nacionais que nunca pegaram. Tudo com base na suposição de que as matas são bens públicos, mesmo se estão em terras privadas.
Um deputado capaz de ver o que aconteceu no Velho Mundo há 8 mil anos deveria ser capaz de perceber o que houve no Brasil uns 44 anos atrás. Mas não. Ele deve estar precisando de óculos para perto, porque outro dia se surpreendeu com o decreto nº 6.686, que, com quase meio século de atraso e considerável desconto em várias cláusulas, ameaça pôr em prática o que os autores do código de 1965 puseram no papel sobre reservas legais.
Heize reagiu ao decreto com espanto: "Se já não bastassem as inúmeras dificuldades enfrentadas pelos agricultores para sobreviver no campo, agora querem que cada um destine 20% de suas terras para preservação." Seu "agora querem" soa mais anacrônico que seus "8 mil anos".
Pena que não dê para embarcá-lo numa viagem parlamentar, com tudo pago, ao mundo de 8 mil anos atrás. Ele visitaria magníficas ruínas de florestas primevas, até mesmo no Crescente Fértil, onde a agricultura nascente, com ajuda das mudanças climáticas, começava a plantar o atual deserto. Não foi à toa que foi ali a expulsão do paraíso. No caso, o paraíso das florestas de carvalho que cobriam as margens do Eufrates.
Havia queimadas para brasileiro nenhum botar defeito. "Em cada temporada de plantio, espessas fumaças cinzentas se misturavam às chamas saltitantes no embaçado céu azul", conta o antropólogo Brian Fagan sobre a chegada da civilização neolítica à Europa. E Heize poderia se hospedar em cavernas tão sufocadas de fumaça que "pulmões enegrecidos são comuns em corpos mumificados" daquela época, segundo o historiador John McNeill.
A receita do progresso que Heize advoga está pronta. Para tentar de novo, basta regar com suor e tragédias por 8 mil anos. E, mais dia, menos dia, chegaremos aonde o mundo está. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário