A popularidade do presidente Lula chegou ao zênite - constata o "Le Monde". Os aplausos vêm de todo lado. E é mesmo uma performance extraordinária, de um animal político como não víamos desde Getúlio Vargas.
Na Roma antiga, quando um general conseguia uma vitória importante, tinha direito a um "triunfo": entrar na cidade debaixo de fanfarras, mantos vermelhos esvoaçantes, aplausos da multidão. Mas no carro triunfal, atrás do general, vinha um escravo encarregado de dizer-lhe ao ouvido: "Cuidado, você continua a ser um homem como os outros, sujeito ao declínio e à morte."
Se eu fosse o escravo grego do presidente, o que eu lhe diria ao ouvido? Alguma coisa como: "Lula, está ótimo, um sucesso, realmente. Mas não vá achar que você fez tudo sozinho. Isso não faz bem a ninguém."
Estou pensando no ex-presidente Fernando Henrique. Dizem que ele é vaidoso. Imagino o que ele estará pensando do Lula que embolsa todos os troféus, enquanto FHC passou à condição de retrato na parede.
É injusto. Porque o "Brasil maior" que Lula comanda como artista consumado é o resultado de políticas que vêm de quase 20 anos - primeiro, a abertura da economia, que começou com Collor; depois, a verdadeira revolução que foi o Plano Real. Ali, sim, passou-se a desmontar a máquina perversa que, via inflação, sugava o sangue e o dinheiro do pobre. O Nosso Guia, em 1989, não teria feito a abertura da economia; e, em 1994, foi frontalmente contrário ao Real. O que mostra que, como diria o escravo grego, ele é um homem como os outros.
Entre Fernando Henrique e Lula vigora (guardadas as diferenças de época e de circunstâncias) a relação que existiu, no começo da República, entre Campos Sales e Rodrigues Alves. Quando o paulista Campos Sales tornou-se presidente, em 1898, o Estado brasileiro estava falido. Pagava-se ainda o preço dos descalabros financeiros que vinham da gestão Ruy Barbosa no Ministério da Fazenda - uma política inflacionária que acabou numa falência geral, depois de muita especulação na Bolsa. Campos Sales embarcou para a Europa e foi discutir diretamente com os nossos credores. Voltou com um plano duríssimo, aplicado com mão de ferro por seu ministro Joaquim Murtinho. Discute-se até hoje se aquilo foi bom ou não. Mas em 1902 ele passou a Rodrigues Alves um Estado financeiramente saneado. E assim começou a fase de grandes obras públicas que tanto beneficiaram o Rio de Janeiro.
Lula teve a mesma sorte de Rodrigues Alves. Depois de oito anos de Plano Real, herdou um país que estava pronto para crescer. A inflação fora dominada; tinham sido liquidados os bancos estaduais que eram outras tantas Casas da Moeda para felizes governadores; a Lei de Responsabilidade Fiscal proibia os governantes de deixarem heranças calamitosas para seus sucessores. Mais que isso: o país gozava de absoluta normalidade institucional. O presidente não precisava governar de olho nas ruas, como acontece na Argentina. E assim Lula pôde tomar medidas aparentemente contraditórias: manteve a política econômica do Governo anterior, mas aumentou os gastos públicos, deu aumento ao funcionalismo, aos aposentados, aumentou o salário mínimo, transformou o Bolsa Escola de dona Ruth Cardoso num imponente Bolsa Família.
Algumas dessas medidas, como se observou, tiveram efeito "anticíclico" na assustadora crise de 2008/2009. O mercado interno brasileiro, aquecido pelos referidos aumentos, atravessou a tormenta sem consequências dramáticas. Resta demonstrar que essas são políticas sustentáveis, e que não vão exigir, logo adiante, novos aumentos de impostos.
Enquanto isso, pouco ou nada se fez em tudo o que significa melhoria estrutural. Não veio a reforma tributária que corrigisse um sistema de cobrança cruel e inepto. A reforma da Previdência começou e depois voltou para trás. Não se investiu em portos, em estradas. Não se mexeu na catástrofe que é o nosso sistema educacional. E, o mais grave, não se conhece uma palavra do presidente contra os desvios éticos que assombraram os últimos anos, encabeçados pelo "mensalão".
Daqui a alguns anos, falaremos numa "era Lula" assim como se fala numa era Getúlio. E o balanço deve ser favorável, porque a vasta maioria da população se sentiu compreendida e amparada. Milhões deixaram a faixa da pobreza. Mas o conjunto da obra tem o ar de uma imensa improvisação. É o Brasil.
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