O primeiro passo
O Globo - 20/08/2009 |
Por enquanto, a eleição de 2010 sofre de várias esquisitices. A primeira delas é que o candidato que está na frente em todas as pesquisas de intenção de voto, o governador de São Paulo, José Serra, ainda não disse se é candidato, e seu partido tem dois virtuais concorrentes: ele e o governador de Minas, Aécio Neves. No cenário — apurado pelo DataFolha — em que Serra aparece, o partido fica com 36% dos votos; no cenário no qual concorre Aécio, o partido tem 15%. Mas eles não decidem, não debatem, não fazem primárias. Continuam misteriosos, com conversas de cardeais, articulações intramuros, no estilo tucano. Quando Serra não é candidato, sobem Dilma, Ciro e Heloísa, e até o percentual de indecisos sai de 18% para 24%. A segunda esquisitice eu disse aqui ontem: a maneira como a ministra Dilma Rousseff foi escolhida candidata lembra o “dedaço” da época em que o PRI era partido único no México. O presidente em exercício é que dizia quem era o candidato a concorrer para o período seguinte. O PT até hoje teve apenas um candidato, essa seria uma oportunidade de renovação se a escolha fosse aberta e democrática. Quem sabe assim, o partido conseguiria olhar de frente para toda aquela sujeira que varreu para debaixo do tapete nestes tempos de governo, especialmente após o mensalão. O candidato Ciro Gomes tentava ser uma terceira via entre governismo e oposição, mas ao longo dos últimos anos esteve tempo demais do lado do governo, como ministro. E antes de Marina aparecer na cena, até ele achava que a eleição não seria plebiscitária. A candidata Heloísa Helena, mesmo estando longe do cenário nacional, permanece oscilando entre 12% e 17% das intenções de voto, dependendo de quem é o candidato tucano. Marina apareceu com 3% em qualquer cenário, mas isso após ela apenas aventar a possibilidade de concorrer. Ontem, ela saiu do PT e tem pela frente mais dois eventos nos quais estará no palco: o momento de se filiar ao PV; o momento de assumir a candidatura. Ela definiu ontem posições importantes: ter a sustentabilidade como centro de um projeto de desenvolvimento; acolher as melhores práticas e experiências das empresas, academia e organizações; não deixar o Brasil atrasado em relação ao debate que ocorre no mundo; aproveitar as chances de o Brasil ser uma potência ambiental. Posto assim, Marina não se coloca como uma candidata temática, mas sim faz com que o tema das mudanças climáticas — que cresceu tanto nos últimos anos e continuará crescendo, digam os céticos o que disserem — seja o novo paradigma no qual se organize um programa para disputar as eleições. Marina tem um enorme caminho a seguir para sair dos 3%, ser uma candidata viável e evitar o perigo de ficar à margem do processo. Para ser competitiva, precisa de ferramentas que o PV não tem: tempo de televisão, partido com estrutura e capilaridade no país. Ela sabe disso. Por isso, comparou o ato de ontem com aquele momento, quando aos 16 para 17 anos saiu de casa para ir, analfabeta e doente, se tratar e estudar. Ela tinha ficado um ano muito mal. Já tinha tido malária, mas contraíra hepatite. Mal diagnosticada, sua hepatite foi tratada com remédio de malária e ela quase morreu. Ao emergir disso, decidiu sair de casa e ir para uma cidade maior para estudar, trabalhar, se tratar. Objetivamente, que chance tinha aquela menina do seringal Bagaço? Marina está preparando propostas que vão além da luta de classes que moldou o PT original. Acha que a defesa do meio ambiente não comporta recorte de classes. Está convencida de que algumas empresas já se deram conta da profundidade do tema e querem uma proposta que não é de ruptura com a velha ordem, mas de transição para uma nova ordem. Acredita que as empresas que não entenderam ainda entenderão quando o carbono for taxado no mundo. Não acha que a questão ambiental seja uma bandeira monotemática. Para ela, o que vai propor é um novo paradigma, uma nova forma de tratar cada uma das questões que compõem um programa partidário. Ideias ela tem e erra quem subestimar sua capacidade de organizá-las em um discurso contemporâneo e sedutor. Ao entrar no jogo, obrigará os outros candidatos a terem programa também. Me lembro que na última campanha eleitoral eu perguntei ao candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, numa entrevista neste jornal, qual era o programa dele. Ele me respondeu que o documento estava quase pronto e sairia na semana seguinte, em fascículos. Faltava uma semana para a eleição. Esse tipo de improviso não será mais possível, a partir da entrada da senadora Marina em campo. Os outros candidatos terão que se esforçar mais, pensar mais, aprofundar-se, rever estratégias. Tudo isso torna a disputa mais interessante, com mais conteúdo e bem mais indefinida. Tudo isso é bom para a democracia. |
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