Dilma aprendeu cedo que negar a verdade é o preço da sobrevivência
Dilma Rousseff lembra com orgulho que se negou a dizer verdades perigosas mesmo sob tortura. Tinha pouco mais de 20 anos mas sabia muito quando foi presa pela polícia política. Mesmo confrontada pelos inquisidores com copiosas evidências, não confessou que havia participado de assaltos a banco e outras ações armadas, desmentiu o envolvimento com grupos de extrema-esquerda, escondeu os nomes dos parceiros de vida clandestina, não admitiu sequer que era quem era.
A mãe do PAC gosta de contar que, apesar do desamparo e da insegurança, não permitiu que os inquisidores arrancassem qualquer informação que a prejudicasse, ou colocasse em risco os companheiros. Hoje amparada pelo presidente Lula, protegida pela blindagem que merece uma candidata à sucessão, pode mentir sem sobressaltos. Foi o que fez quando alquimistas da Casa Civil, para desviar do Planalto a catarata de despesas com cartões de crédito, produziram um dossiê que transformava o ex-presidente Fernando Henrique e Ruth Cardoso no mais perdulário dos casais.
Sobram provas de que a ministra encomendou o serviço à chefe de gabinete, Erenice Guerra. Pilhada em flagrante, Dilma promoveu registros policialescos a banco de dados e afirmou que não fizera o que fez com a mesma convicção aparente da juventude. A performance foi reprisada quando se descobriu que o currículo oficial da ministra era ornamentado, entre outras fantasias, por um inexistente doutorado em economia pela Unicamp.
A doutora de araque garantiu que não sabia de nada. Nunca havia lido o próprio currículo. Algum subordinado fizera aquilo por conta própria. Não identificou o culpado, não puniu ninguém, queixou-se da perseguição da imprensa e pediu ajuda a Lula, advogado-geral dos pecadores companheiros. Além de expedir o habeas corpus perpétuo, Lula ordenou ao deputado José Genoíno que avalizasse a absolvição com um discurso na Câmara.
Num país sério, alguém socorrido por Genoíno ─ parceiro de Delúbio Soares e Marcos Valério nas bandalheiras do mensalão, irmão do chefe do cearense da cueca dolarizada, enfiado no pântano até o pescoço ─ seria punido mesmo que fosse inocente. Como isto é o Brasil, Genoíno desceu da tribuna sem receber voz de prisão. E o currículo fraudado saiu do noticiário.
A última da Dilma foi revelada por Lina Vieira, demitida da secretaria da Receita Federal por honestidade. No fim do ano, contou, a ministra pressionou-a para “agilizar” a auditoria em curso nas empresas da família Sarney. A secretária fez de conta que não ouviu direito a ordem para encerrar o caso. Subtraiu-se ao papel de cúmplice, mas perdeu o emprego mais cedo.
Na entrevista à Folha de S. Paulo, Lina informou que foi convocada para o encontro com Dilma pela onipresente Erenice Guerra, reproduziu o diálogo no gabinete, descreveu a cena do crime, detalhou as vestes da protetora de Fernando Sarney. ”Não fiz esse pedido a ela”, retrucou Dilma. Lula precisou de dois segundos para emitir a sentença: “Duvido que a Dilma tenha mandado recado ou conversado com alguém a esse respeito. Não faz parte da formação política da Dilma”.
Escorregou na ignorância malandra. Faz parte, sim. Na cadeia, ela aprendeu que a mentira pode ser o preço da sobrevivência física. No poder, descobriu que negar a verdade é também o preço da sobrevivência política.
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