O governo brasileiro nada tem feito para combater o protecionismo
O governo anunciou, na última quinta-feira, um pacote de socorro ao setor agrícola, tendo como um dos principais alvos os frigoríficos. A ajuda virá por meio de linhas de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em meio ao sufoco enfrentado pelas empresas, a mão estendida pelo setor público dará um bom alívio. Mas, com certeza, não resolverá os problemas enfrentados pelos produtores de carne.
As dificuldades dos frigoríficos são anteriores ao estouro da crise financeira internacional, em setembro do ano passado. Começaram no fim de 2007, quando a Europa baixou uma série de medidas para frear as exportações brasileiras. Passou a exigir a rastreabilidade do gado, o que todos concordam, e o registro de todas as propriedades produtoras. Essa última medida, no entanto, mostrou-se inviável num país da dimensão do Brasil.
Desde então, as exportações de carne bovina in natura para a União Europeia despencaram. Em 2007, foram enviadas para aquele mercado 195,2 mil toneladas do produto. No ano passado, as vendas somaram apenas 36,2 mil toneladas e, nos primeiros dois meses de 2009, não passaram de 5 mil. Somente com o encolhimento de 81% nas exportações entre 2007 e 2008, o país perdeu aproximadamente US$ 800 milhões em receitas.
A situação é tão complicada que Bulgária e Romênia, países que entraram na União Europeia em 2007, simplesmente suspenderam as compras de carne brasileira. Antes, absorviam entre 200 e 400 toneladas de carne a cada ano.
Reciprocidade Abordei esse assunto para fazer um contraponto ao discurso que o presidente Lula tem feito em todos os fóruns internacionais nos quais vem participando: o protecionismo. Apesar de toda a gritaria contra o risco de fechamento de mercados — o que Lula compara a uma droga, que dá alívio imediato, mas logo leva à depressão —, o governo brasileiro nada tem feito para combater essa prática abusiva, como ressalta o presidente no Brasil do Conselho Empresarial da América Latina (Ceal), Marcus Vinícius Pratini de Moraes.
Em vez de ficar no discurso, Lula deveria ter baixado sanções a produtos europeus no mesmo valor das perdas de receitas dos exportadores brasileiros. É assim que tende a ser no comércio mundial, a política do toma-lá-dá-cá, da reciprocidade. Certamente, os europeus, que são mestres em impor barreiras tarifárias e não-tarifárias a produtos agrícolas de países em desenvolvimento, pensariam duas vezes antes de punir os produtores brasileiros de carne, aos quais taxam em até 176%, por serem competitivos.
Portas fechadas O que mais assusta é que essas práticas protecionistas estão sendo adotadas bem próximo das nossas fronteiras, mais precisamente no Chile. A despeito de todas as promessas de reabrir seu mercado para a carne brasileira, fechado desde outubro de 2005, quando surgiram os focos de febre aftosa no Mato Grosso do Sul, problema praticamente solucionado, o país vizinho mantém as portas fechadas ao produto. Até essa postura arbitrária, o Chile era o terceiro maior mercado para a carne do Brasil, substituída, em grande parte, pelo produto paraguaio.
O curioso é que o vinho e o salmão chilenos continuam entrando no Brasil normalmente, sem nenhuma contrapartida. Há alguns meses, o Ministério da Agricultura tentou impor barreiras ao salmão chileno por ter encontrado sinais de um produto prejudicial à saúde. Mas bastaram algumas ingerências do governo de Michelle Bachelet para que o Ministério das Relações Exteriores do Brasil pedisse o fim das restrições.
Desemprego Pois bem, sete dos maiores frigoríficos brasileiros, entre eles o Independência, que destinavam quase 80% da produção de carne para o exterior estão em processo de recuperação judicial — em concordata, para ser mais claro. Demitiram mais de 20 mil trabalhadores logo depois do estouro da crise, quando a situação financeira ficou insustentável diante da escassez de crédito.
O governo acredita que, com a liberação das linhas de financiamento aos frigoríficos, sanará todas as dificuldades. O auxílio do BNDES resolverá, sim, em parte, os problemas. Mas não há como as empresas sobreviverem apenas do abastecimento do mercado interno, onde o preço das carnes mais nobres, que são exportadas, é até 60% menor.
“É muito fácil para o governo ficar gritando contra o protecionismo, mas não fazer nada de efetivo para defender os interesses do setor produtivo e garantir acesso a mercados. O protecionismo já está latente e tende a se agravar com a crise financeira mundial”, afirma Pratini de Moraes, que também dirige o frigorífico JBS. “O governo tem de ser mais duro com os países que nos aplicam sanções absurdas. Tem de usar a mesma moeda. Se não fizer isso, vão se repetir em vários setores os mesmos problemas”, ressalta.
Risco de morte O alerta de Pratini é preocupante porque é no setor agrícola, altamente subsidiado pelos países ricos, onde o Brasil e a América Latina são mais competitivos. Os produtos oriundos do campo, por sinal, têm sido, mais uma vez, vitais para a manutenção do superávit da balança comercial brasileira neste ano. Mesmo com todos os estragos provocados pela crise, traduzidos em recessão nas maiores economias do planeta, o consumo de alimentos continua forte. Tanto que os preços dos principais grãos exportados pelo país — soja e milho — voltaram a subir. Portanto, é preciso sair do discurso e partir para o ataque e proteger o país antes que a praga do protecionismo realmente fira de morte nossas maiores vantagens. |
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