sexta-feira, maio 15, 2020

Opaco e aviltante - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 15/05

Bolsonaro falta com transparência e seriedade ao tratar de cartões ou sua saúde


Com a costumeira fanfarrice, Jair Bolsonaro prometeu há nove meses revelar suas despesas pessoais pelo cartão corporativo a que tem direito na condição de presidente.

“Eu vou abrir o sigilo do meu cartão. Para vocês tomarem conhecimento de quanto gastei de janeiro até o final de julho. OK, imprensa?”, anunciou, em 8 de agosto do ano passado. “Vou com vocês, na boca do caixa, digito a senha e vai aparecer todo meu gasto.”

Também como de hábito, a encenação de valentia —em resposta, na época, a alguma fofoca de rede social— deu em coisa nenhuma.

A bravata foi convenientemente esquecida, e os dispêndios realizados por meio do mimo presidencial permaneceram incógnitos mesmo quando o Supremo Tribunal Federal, em 7 de novembro, considerou inconstitucional um dispositivo do regime militar que permitia à Presidência manter segredos do gênero.

Desta vez, o Planalto se viu forçado a apresentar alguma explicação formal —alegou-se, com base em outra legislação, que informações passíveis de pôr em risco a segurança do presidente e seus familiares devem ficar reservadas.

Mas Bolsonaro decidiu voltar ao tema no desvairado pronunciamento de 24 de abril, quando respondeu a acusações de ingerência na Polícia Federal. No esforço para mostrar sua probidade, alegou não haver feito uso de um cartão, entre três que possui, que lhe permite gastar R$ 24 mil mensais.

A veracidade da afirmação não pode, infelizmente, ser aferida. Os dados disponíveis permitem constatar, porém, que as despesas com cartões presidenciais cresceram na atual gestão e chegaram ao recorde de R$ 1,9 milhão em fevereiro —do qual R$ 739 mil, segundo o presidente, com o resgate de brasileiros na China. Mais não se sabe.

As desculpas oficiais para a permanência do segredo soam tão inconvincentes hoje como em 2008, quando uma farra no uso de cartões gerou escândalo no governo Lula (PT). Tratando-se de Bolsonaro, a recusa à transparência se une à conduta aviltante.

Assim se viu também na ridícula saga da divulgação dos exames do chefe de Estado para a Covid-19, enfim levada a cabo por determinação do Supremo Tribunal Federal, a pedido do jornal O Estado de S. Paulo. Soube-se então que o presidente chegou ao cúmulo de usar pseudônimos nos testes, cujos resultados foram negativos.

De claro no episódio, apenas a irresponsabilidade de Bolsonaro ao sujeitar a si e a terceiros aos riscos de contágio, antes e depois de conhecer seu estado de saúde.

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