O presidente é a maior oposição ao seu governo
“Não há governo”, constata e lamenta o ex-ministro Delfim Netto. Ele teme pelo dia em que o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril vier a público. “Acho que isso é o maior opróbrio a que será submetida a sociedade brasileira. Vai ser uma vergonha internacional! E ninguém mais vai nos leva à sério”, comentou o ex-ministro que, em seus 92 anos completados no dia 1º de maio, disse que nunca viu ou teve notícias de uma “esculhambação dessa dimensão” nos governos anteriores do país. O vídeo, recheado de palavrões, foi submetido a investigadores da Polícia Federal, Segundo quem o assistiu, ele indica que Bolsonaro pressionou o então ministro da Justiça, Sergio Moro, a trocar o superintendente da PF do Rio, que estaria no encalço da sua família, dos seus filhos.
“O presidente Jair Bolsonaro só faz confusão”, completou Delfim, acrescentando que Bolsonaro fica alimentando uma briga “absurda” com João Doria, governador de São Paulo, em uma disputa eleitoral que se mistura à política de combate à pandemia da covid-19 e deixa as pessoas completamente confusas.
“Em 2022, na campanha pela sucessão presidencial, Bolsonaro vai dizer que o Doria matou 1 milhão de pessoas e o Doria acusará Bolsonaro de ter matado 1 milhão de pessoas”, com as políticas de isolamento social total ou, como prega o presidente, de isolamento vertical em decorrência da pandemia.
A mais recente decisão de Bolsonaro foi adiar o veto à proposta de reajustes salariais para determinadas carreiras, que consta do projeto de socorro a Estados e municípios. O presidente deu tempo para que os governadores que ainda não tinham reajustado os salários pudessem dar um aumento agora. Todos eles, porém, estão passando por profundas dificuldades financeiras.
Na quarta feira, o Congresso Nacional aprovou por 70 votos favoráveis, dois contra e uma abstenção projeto de lei que autoriza a concessão de reajuste salarial neste ano para os policiais civis, militares e bombeiros do Distrito Federal. A permissão se estende também aos servidores militares do Amapá, Rondônia e Roraima e o reajuste é retroativo a janeiro.
O governo estima uma despesa de mais de R$ 505 milhões, que será financiada pelo Fundo Constitucional do Distrito Federal. Outros Estados, como Minas Gerais e Rio de Janeiro, ambos falidos, já haviam aprovado reajustes aos servidores neste ano.
Assim, Bolsonaro cumpre promessa feita ao ministro da Economia, Paulo Guedes, de vetar reajustes salariais, mas só depois de eles já terem sido aprovados, tornando o veto sem efeito algum. “São traíras”, reagiu o ex-ministro.
Ele defende uma profunda reforma do Estado, a começar pelas carreiras, salários e estabilidade dos servidores, tão logo se acalmem os efeitos da pandemia. “Nos últimos seis anos o funcionalismo teve aumento real de salários de 40%”, citou.
Delfim acredita que os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, aprovariam uma boa reforma do Estado, até porque Maia chegou a sugerir uma redução de salários de servidores como medida de ajuda ao combate à pandemia. Foi dissuadido, porém, “pelo próprio governo”, disse o ex-ministro.
A crise econômica decorrente da pandemia é brutal. “Estou convencido de que o PIB [Produto Interno Bruto] cai entre 7% a 8% neste ano e a inflação vai para 1,5%”, estimou.
Ele vê como acertada a aprovação da PEC do “Orçamento de Guerra”, que vai permitir a contabilidade separada dos gastos com o combate ao coronavírus, que deverá chegar a casa dos R$ 800 bilhões. Sobre o Orçamento normal continua a vigorar a lei do teto de gastos. E as contas da pandemia terão que ser, de alguma forma, resolvidas pelo governo.
Delfim disse que também gosta do que vê na ação do Banco Central, que, segundo a PEC do “Orçamento de Guerra”, poderá dar liquidez a todo o sistema. Considera “louvável” o trabalho conjunto da área fiscal do governo com o BC, que ele acredita que começou com o Ilan Goldfajn à frente da autoridade monetária e está, hoje, em um nível de integração que nunca esteve. “Essa é uma das coisas boas que a tragédia, a confusão e a fuzarca do Bolsonaro não atingem”.
A questão do investimento como base da recuperação da economia pós-coronavírus é uma grande incógnita. “Ninguém vai investir aqui quando o presidente é a maior oposição ao seu governo”, disse ele.
“ É muito simples. Se você não encontrar uma forma nova de acomodar o volume de investimentos do Estado dentro do orçamento ordinário - separando o orçamento de custeio e dos investimentos, com sempre se fez - e preparar uma lista de bons projetos executivos com boas taxa de retorno para atrair o setor privado, nunca mais o país se recupera.”
Faz 30 anos que o Brasil está em subdesenvolvimento. “Se compararmos a renda per capita do Brasil com a dos Estados Unidos, que não é das mais brilhantes, em termos de paridade do poder de compra, ela foi de 20% em 1945, chegou a corresponder a 38% nos anos 80 e hoje está no patamar de 28%”, realçou. Ou seja, está se devolvendo tudo o que cresceu no passado.
Delfim aposta em um programa de renda básica como um sucedâneo do auxílio emergencial de R$ 600. “Não acredito que se tenha força política para simplesmente acabar com esse auxílio. Vamos ter que repensar o país. O Brasil nunca mais será o mesmo.”
Ao assumir um programa dessa natureza, sobrarão ainda menos recursos para os investimentos, e é aí que entra a reforma do Estado, pois é com pessoal a segunda maior despesa do Orçamento público, depois da Previdência. “ Não dá para aceitar todos os direitos ‘mal adquiridos’ pelos servidores”, sublinhou.
Neste momento que talvez seja o mais grave da história contemporânea do Brasil, é importante que as elites política e administrativa do país se conformem com o fato de que os recursos são finitos. E parem de passar a conta dos sucessivos “rombos” para a sociedade, que já vai ter que arcar com os pesados custos da pandemia.
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