Almirante Ilques Barbosa Júnior, general Edson Leal Pujol e tenente-brigadeiro do ar Antonio Carlos Moretti, comandantes, respectivamente, da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Permitir a livre circulação de armas e munições, ainda que originalmente legais, sem rastreamento, ofende a Constituição e remete ao papel que têm as Forças Armadas na garantia dos valores constitucionais e no auxilio à Segurança Pública. A "agência de emprego" do governo compensa a humilhação?
Os militares que estão no Planalto não vão deixar Jair Bolsonaro na mão. Aliás, estão no Planalto, no segundo escalão, no terceiro, no quarto... As Forças Armas estão sendo cooptadas, o que é uma tragédia moral para a sua história, pela via econômica, pelo emprego, pelos cargos... Pode não ser corrupção naquela modalidade, digamos, propriamente penal, mas é corrupção em sentido mais amplo: a corrupção dos princípios.
Só isso pode explicar o que se vai narrar abaixo. Leiam com atenção. Volto em seguida. Informa o Estadão:
Sob suspeita de ingerência na Polícia Federal, o presidente Jair Bolsonaro entrou agora na mira do Ministério Público Federal (MPF) por indícios de violar a Constituição ao interferir em atos de exclusividade do Exército. Procuradores abriram dois procedimentos de investigação para apurar uma ordem dada por Bolsonaro ao Comando Logístico do Exército (Colog), no último dia 17, que revoga três portarias publicadas entre março e abril sobre monitoramento de armas e munições.
A procuradora regional da República Raquel Branquinho aponta a possibilidade de Bolsonaro ter agido para beneficiar uma parcela de eleitores e que não há espaço na Constituição "para ideias e atitudes voluntaristas" do presidente, ainda que pautadas por "bons propósitos". O desdobramento do caso pode levar a uma ação de improbidade na Justiça Federal ou à abertura de um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF).
As portarias 46, 60 e 61, revogadas pelo comandante do Colog, general Laerte de Souza Santos, por exigência de Bolsonaro, foram elaboradas em conjunto por militares, policiais federais e técnicos do Ministério da Justiça. "Determinei a revogação das portarias (...) por não se adequarem às minhas diretrizes definidas em decretos", escreveu Bolsonaro no Twitter em 17 de abril.
Essas portarias estabeleciam o controle, rastreabilidade e identificação de armas e munições importadas e fabricadas pela indústria nacional, sob a finalidade de atividades esportivas, de colecionador e também para abastecer os quartéis. Na avaliação dos procuradores, ao revogá-las, o governo facilita o acesso do crime organizado a armas e munições desviadas. "A cidade do Rio de Janeiro é a face mais visível dessa ausência de efetivo controle no ingresso de armamento no País", observou Raquel Branquinho em ofício obtido pelo Estado.
Ex-braço direito da então procuradora-geral da República Raquel Dodge na área criminal e uma das integrantes do grupo escolhido pelo atual chefe do MPF, Augusto Aras, para atuar na Lava Jato, Raquel Branquinho é considerada uma procuradora linha dura, conhecida por seu trabalho em processos importantes, como o mensalão.
As normas estabeleciam diretrizes para identificação de armas de fogo, bem como para a marcação de embalagens e cartuchos de munições. Umas das regras revogadas, por exemplo, determinava que armas apreendidas pela Justiça cuja identificação tenha sido suprimida ou adulterada poderiam ganhar uma nova numeração.
O pedido de investigação foi enviado por Raquel Branquinho no dia 20 deste mês ao chefe da Procuradoria da República no Distrito Federal, Claudio Drewes José de Siqueira. No ofício, a procuradora argumenta que Bolsonaro fere princípios constitucionais.
"Ao assim agir, ou seja, ao impedir a edição de normas compatíveis ao ordenamento constitucional e que são necessárias para o exercício da atividade desempenhada pelo Comando do Exército, o Sr. Presidente da República viola a Constituição Federal, na medida em que impede a proteção eficiente de um bem relevante e imprescindível aos cidadãos brasileiros, que é a segurança pública, e possibilita mecanismos de fuga às regras de controle da utilização de armas e munições", escreveu Raquel Branquinho.
Agora, o MPF vai avaliar os motivos da conduta de Bolsonaro de determinar a derrubada das portarias do Exército. Numa avaliação inicial, Raquel Branquinho entendeu que a finalidade da revogação das portarias pode ter sido a de "atender uma parcela de eleitores."
(...)
RETOMO
Faço aqui um desafio ao presidente Jair Bolsonaro ou a quem ele delegasse tal tarefa: demonstrar que o rastreamento de armas e munições atenta contra as liberdades individuais ou contra algum princípio consagrado pela Constituição.
A quem interessa o não rastreamento de armas e munições destinadas a atividades esportivas, colecionador e quartéis? Ora, certamente não interessa aos esportistas, colecionadores e militares. Ao contrário: a estes, a possibilidade de rastreá-las atua como uma garantia, não é mesmo?
Não por acaso, os próprios militares participaram da redação das portarias, em parceria com técnicos do Ministério da Justiça e membros da Polícia Federal. Quem faz uso legal da arma não se importa que haja a identificação e rastreamento.
A quem interessa a revogação das portarias. A resposta é escandalosamente simples: às milícias, ao tráfico de drogas e ao tráfico internacional de armas. Que dúvida pode haver a respeito? Só não aceita o monitoramento do Estado nesse caso quem está com más intenções.
Esse rastreamento tem de ser feito porque, no caso de apreensão de armas estrangeiras, é preciso saber se entraram ilegalmente no país ou se foram importadas regularmente, caindo depois em mãos criminosas. No caso de armas nacionais, dado que a posse e o porte foram brutalmente alargados por Bolsonaro, faz-se necessário verificar se indivíduos não estão sendo usados como compradores-laranjas para repassá-las depois a bandidos.
A informação é essencial para a elaboração de políticas públicas.
Com a revogação das portarias -- contrariando, diga-se, o Estatuto do Desarmamento, que delega ao Exército esse controle --, é evidente que Jair Bolsonaro joga no lixo também o Caput do Artigo 144, a saber:
"Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio".
Venham cá: o Estado exerce o seu dever, e os cidadãos têm respeitado o seu direito, com o rastreamento ou sem ele?
Se o Brasil vira um território livre para a circulação de armas e munições, sem nenhum controle do Estado, a Constituição não resta ferida em sua essência?
DE VOLTA AOS MILITARES
A interferência de Bolsonaro, do modo como se deu, constitui um ato de verdadeira humilhação às Forças Armadas.
Estabelece o caput do Artigo 142:
"As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."
A autoridade suprema é do presidente da República, mas segundo um ordenamento legal. A cúpula das Três Forças se atreveria a sustentar que, sem a possibilidade de rastrear armas e munições no país, elas estarão exercendo a contento a "defesa da Pátria"?
Pergunto: o Poder Executivo como agência de empregos para militares compensa esse despropósito? A relação pode ser boa para quem arruma o emprego. E para a instituição? Lembrem-se, senhores! Todos vocês também estão fazendo história. E a história vai ser contada.
Pode-se escolher a honra.
Pode-se escolher o opróbrio.
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