Situação é agravada pelo embate político entre o presidente Alberto Fernández e a vice, Cristina Kirchner
A imagem de um tsunami em câmera lenta parece ser apropriada para se descrever a atual situação da Argentina. A pandemia avança sobre o país, que perdeu a noção de valor da própria moeda, há tempos não tem acesso ao crédito internacional e tenta convencer os credores a aceitarem títulos no valor de US$ 65 bilhões — cerca de 40% da dívida externa não paga, levando-os a uma redução de 62% nos juros e encargos, com um período de carência de três anos. Os credores rejeitaram.
A pandemia e a crise da dívida deixam a Argentina em vulnerabilidade ímpar. No melhor cenário, haverá queda de 5,7% na economia neste ano. Como observou Kristalina Georgieva, diretora do Fundo Monetário Internacional, “da mesma maneira que o vírus afeta as pessoas com comorbidades, as mais vulneráveis, golpeia mais duramente as economias com dificuldades preexistentes.” As perspectivas ficaram mais turvas, no curto prazo, com a saída das negociações comerciais do Mercosul.
Antes da Covid-19 o país se encontrava em “terapia intensiva”, admitia o presidente Alberto Fernández, cuja popularidade aumentou (para 80%) com medidas de prevenção sanitária. Na confluência da pandemia com o calote, assiste-se a uma crise agravada por um duelo pelo poder entre o presidente e sua vice, Cristina Kirchner. Ela acumula a presidência do Senado com a liderança do agrupamento peronista mais radical dentro do governo, La Cámpora, cuja premissa é a confrontação com os Estados Unidos, com as empresas privadas e com os credores do Estado argentino.
“Alberto Fernández nos governa, Cristina nos conduz”, definiu o senador Oscar Isidro José Parrilli, atualmente o principal porta-voz da vice-presidente, em cujo governo (2007-2015) serviu como chefe do serviço de espionagem. O embate Fernández-Kirchner já é perceptível nas decisões estratégicas, como a que levou ao impasse nos contratos privados de suprimento de gás, com subsídios, que há dias quase levou metade do país a um desabastecimento energético.
A ambiguidade no poder aumenta o custo da crise para os 44 milhões de argentinos, dos quais 16 milhões (40% da população urbana) são pobres. Desses, metade está há mais de um ano submetida a uma dieta involuntária por escassez absoluta de dinheiro para comprar comida. O drama se agrava num país que só conheceu a vida na estabilidade econômica, matematicamente expressa pela inflação de um dígito, durante um curto intervalo de 12 anos das últimas nove décadas.
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