FOLHA DE SP - 28/04
É preciso arrumar a casa antes de retomar política de valorização do salário
Desde 1994 o salário mínimo subiu 167%, já descontada a inflação (bit.ly/2IV8B5j). Ou seja, 4,2% ao ano.
No mesmo período, a economia cresceu 57%, e a produtividade do trabalho, 25%, ou pouco menos de 1% ao ano.
Há limites à política de elevação do salário mínimo real. Sabe-se que aumentos do salário mínimo a partir de níveis relativamente baixos não apresentam efeitos deletérios sobre o funcionamento da economia.
Não pressionam a informalidade nem elevam a taxa de desemprego.
Esse parece ser o caso, por exemplo, da economia americana, em que o salário mínimo é de 34% do salário mediano. Salário mediano é o daquele trabalhador em comparação ao qual metade da força de trabalho ganha mais e a outra metade ganha menos.
Se considerarmos os países da OCDE em 2017, a média dos salários mínimos como proporção do salário mediano foi de 53%. No Brasil, o salário mínimo é de 75% do mediano.
Ou seja, o salário mínimo é baixo no Brasil pois a produtividade do trabalho é baixa. Dada a realidade brasileira, já foi feito um fortíssimo esforço de elevar o salário mínimo.
Não parece haver espaço para novos aumentos reais. De fato, trabalho de técnicos do Ipea indica que aumentos do salário mínimo têm tido efeitos expressivos no aumento da informalidade (bit.ly/2ZExnfS).
No entanto, os impactos da política de valorização do salário mínimo sobre o funcionamento do mercado de trabalho constituem o menor dos problemas dessa política.
A grande dificuldade é que os benefícios de praticamente todos os programas sociais de nosso Estado de bem-estar social são vinculados ao salário mínimo.
O aumento real do salário mínimo tem impacto direto sobre o gasto público. Em tempos de restrição fiscal extrema, e em que a dívida pública apresenta trajetória explosiva, não há espaço para subir o salário mínimo.
Segundo o anexo IV da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), cada 1% de aumento do salário mínimo gera R$ 3 bilhões de elevação do gasto primário da União.
O Brasil é um país relativamente pobre. A produtividade do trabalho é 1/5 da americana. O salário mínimo é baixo pois o país é relativamente pobre.
O mesmo problema ocorre com a Previdência. O benefício pago pelo INSS é relativamente baixo pois o salário do trabalhador ativo é baixo. No entanto, o benefício do sistema previdenciário do setor privado é da ordem de 80% da renda da ativa. Isto é, nosso sistema previdenciário tem uma das mais elevadas taxas de reposição.
Há forte demanda de nossa democracia, absolutamente legítima, de tentar acelerar o processo de redução das desigualdades e, principalmente, de elevar a qualidade de vida dos brasileiros.
O problema é que, a partir de certo ponto, a agenda de redução das desigualdades e de inclusão por meio de programa sociais choca-se com a agenda de crescimento econômico e de estabilização da economia.
Parece que já passamos do ponto. Teremos que conviver diversos anos com a manutenção do valor real do salário mínimo e rezar para que a desorganização da economia não produza piora como tem ocorrido na Argentina e na Venezuela.
Após a arrumação da casa e a reconstrução de uma posição sólida para as contas públicas, a política de valorização do salário mínimo pode ser retomada.
Quando o momento chegar, o ideal será adotarmos a sugestão de Nelson Barbosa em sua coluna neste espaço na sexta (26): vincular o salário mínimo à renda per capita.
Samuel Pessôa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.
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