Uma constatação: o Brasil padece da síndrome do touro. Em vez de pensar com a cabeça e arremeter com o coração, faz exatamente o contrário. Vejam: o presidente ouve impropérios contra militares num vídeo de Olavo de Carvalho, põe em sua rede social e retira 20 horas depois. Repudia a acusação, mas exalta a figura do guru. O filho Carlos joga mais pólvora na fogueira e compartilha o vídeo com seus seguidores. Síndrome do touro.
O governo, trôpego e sem rumo, embala a reforma da Previdência e a encaminha sem discussão à Câmara. Falta articulação política, e o pacote ganha intenso debate na comissão que deveria analisar sua admissibilidade, não o mérito. A oposição procura obstruir a sessão. A tensão entre Executivo e Legislativo se escancara: quem comandará os próximos passos na comissão especial e no plenário? Síndrome do touro.
O STF, criado em 1890 como instância máxima de um dos Três Poderes, entra em parafuso com a decisão de seu presidente, Dias Toffoli, de censurar uma revista e um site pela reportagem “O amigo do amigo de meu pai”. Nossa mais alta Corte padece de uma das maiores crises de credibilidade de sua história. Alguns ministros sofrem intenso bombardeio midiático. Síndrome do touro.
As relações entre os Três Poderes atravessam momento crítico. O Legislativo tenta criar um escudo em defesa de prerrogativas, sente-se acuado e insere em sua agenda uma CPI da Toga. Em outra frente, um ministro acusa o Ministério Público de “hiperativismo”, com “procuradores usando métodos questionáveis para transformar investigados em delatores”. Sobram termos como “gentalha”, “cretinos”, “incivilizados”. Procuradores destemidos enfrentam magistrados, e um deles sofre processo administrativo disciplinar no Conselho do MP. Síndrome do touro.
Difamação, injúria, calúnias e uma coleção de acusações inflamam a arena das redes sociais. Bolsonaristas digladiam-se com lulistas, e sobram flechadas para todos os lados. Cicatrizes de campanha permanecem abertas. A fogueira recebe cargas de lenha, ampliando o apartheid social. Síndrome do touro.
A esfera artística, perfilada à esquerda, ressente-se da política do novo governo de rebaixar para R$ 1 milhão o teto de patrocínios culturais. A Lei Rouanet já estava na mira. A decisão aumenta o fosso entre os artistas e a administração, fechando a interlocução e a articulação. A classe deverá tocar alto suas trombetas. Síndrome do touro.
Os parlamentares ainda não se deram conta da imprescindibilidade das reformas, como a previdenciária. Sem elas, não haverá amanhã radioso. Um país de grandes riquezas ameaça se transformar num território de misérias. O Congresso parece Torre de Babel, onde muito se fala e pouco se ouve. E o que se ouve nem sempre é o mais adequado.Que se proclame: o momento sugere que se pense com a cabeça e arremeta com o coração. Não como faz o touro.
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