Como o aparelhamento político sob os governos do PT levou a estatal a um prejuízo de R$ 2,1 bilhões e ao risco de não ter caixa para pagar salários
Com desdobramentos nas mais variadas camadas dos poderes executivo e legislativo, o terremoto de denúncias que abala o cenário político atual do País tem um epicentro. Em maio de 2005, os Correios foram o ponto de partida do roteiro que trouxe à tona o escândalo do mensalão. Tudo começou com a divulgação de um vídeo que mostrava Mauricio Marinho, então diretor da companhia, negociando propinas referentes a uma licitação. Onze anos depois, a empresa é mais um exemplo da má gestão e da deterioração acentuada das estatais brasileiras.
Em 2015, os Correios registraram um prejuízo de R$ 2,1 bilhões, sua maior perda em duas décadas. Um ano antes, a empresa já havia reportado um lucro líquido de R$ 9,9 milhões, o menor de toda a sua história. Como um sinal do momento conturbado, os dados consolidados do desempenho dos Correios em 2015 ainda não foram divulgados oficialmente, mesmo passados mais de dois meses da sua aprovação pelo conselho de administração. E se as informações preliminares já indicam um cenário nada animador, as perspectivas pela frente tampouco são positivas.
No acumulado de janeiro a maio, a empresa apurou um prejuízo de R$ 900 milhões. À frente da operação desde junho, Guilherme Campos tem destacado outros componentes desafiadores, inclusive no curto prazo. Entre eles, está o risco de não haver caixa para pagar os salários dos 117,4 mil funcionários - a primeira vez em seus 47 anos de história - e cumprir os contratos com fornecedores após o mês de setembro. Além da tentativa de recorrer a empréstimos, as medidas traçadas para dar um fôlego mínimo à estatal incluem o corte de patrocínios e a venda de ativos.
Diante desse quadro crítico, entender como uma companhia que detém um monopólio de serviços chegou a essa situação caótica é uma questão cada vez mais recorrente. As fontes consultadas pela DINHEIRO são unânimes em apontar a raiz do problema: a intensificação do aparelhamento e do uso político dos Correios durante os governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidente afastada Dilma Rousseff. “Assim como aconteceu em outras estatais, o PT montou um modelo cleptocrata de governança que quebrou os Correios”, afirma Jerson Carneiro, professor e especialista em gestão pública do IBMEC/RJ.
“O momento da empresa nada mais é do que o resultado de uma péssima gestão, inchada e entregue a sindicalistas e políticos, com o único objetivo de financiar o partido e os seus aliados.” Professor de administração pública da Universidade de Brasília (UNB), José Matias Pereira ressalta que, assim como na Petrobras, boa parte da base sindical dos Correios nutria enorme simpatia pelos governos e pelas causas petistas. “Isso favoreceu a ocupação dos cargos por pessoas despreparadas, sem conhecimento e experiência, e que não eram cobradas em nenhum momento pela competência e muito menos pelo desempenho da empresa”, afirma.
“Os Correios ainda estão de pé apenas porque detém um monopólio. Se fosse uma pessoa, eu diria que a empresa é um doente terminal”, diz o especialista. Parte de um grupo de petistas formado no Sindicato dos Bancários de São Paulo, Wagner Pinheiro, é talvez o principal exemplo desse modelo implantado nos Correios. O sindicalista assumiu o comando da empresa em 2010, após dirigir, por cinco anos, o fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, o Petros. “Ele alterou as regras, ampliou o número de cargos comissionados e praticamente transformou a companhia em uma extensão do PT”, diz Maria Inês Capelli Fulginiti, presidente da Associação dos Profissionais dos Correios (Adcap).
Ela observa que a interferência política sempre existiu na gestão da companhia, mas que estava restrita à nomeação do presidente e de alguns assessores. “Com a entrada do PT, a ocupação dos cargos foi do presidente aos gerentes das agências.” Segundo Maria Inês, alguns dos principais elementos que afetaram o caixa e sustentabilidade dos Correios ocorreram durante a gestão de Pinheiro, concluída no fim de 2015. No período, ela destaca, por exemplo, o repasse de dividendos ao governo acima dos 25% obrigatórios por lei, no total de R$ 3,8 bilhões.
Em outra frente, a Adcap estima que a empresa tenha perdido R$ 1 bilhão em receitas entre 2012 a 2014 com a defasagem de preços dos serviços prestados pelos Correios. No período houve apenas um reajuste das tarifas postais. “Quem não autorizou os reajustes foi o Ministério da Fazenda, especialmente durante a campanha de reeleição de 2014”, diz Maria Inês. “Hoje, como consequência, a empresa está sucateada, sem caixa para investir e desenvolver novos produtos e serviços.”
Para Paulo Furquim de Azevedo, coordenador do Centro de Estudos em Negócios do Insper, os desmandos e ingerências que levaram os Correios a esse cenário ganham contornos ainda mais preocupantes à medida que o próprio setor da empresa passa por grandes transformações, com o aumento da demanda pela digitalização da informação. “Mesmo sob uma gestão de excelência, já seria extremamente difícil se adaptar a essa nova realidade, especialmente para uma empresa estatal”, diz. “No momento atual dos Correios, esse desafio é duplicado.”
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