quarta-feira, julho 27, 2016

Guardem o canguru - RODRIGO CRAVEIRO

CORREIO BRAZILIENSE - 27/07

De nada vai adiantar colocar um canguru na entrada da Vila Olímpica. Isso não vai satisfazer os australianos nem torná-los menos descontentes. A declaração do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, foi - para dizer o mínimo - insensata e infeliz. As Olimpíadas nem começaram e já damos uma lição ao mundo: a de que, no Brasil, o famoso "jeitinho" e a malemolência estão arraigados em nossos valores culturais. Talvez por isso estejamos a anos-luz de sermos uma nação desenvolvida e civilizada. Somos por demais descompromissados e temos a horrível mania de procrastinar tudo, na certeza de que, no fim, tudo dará certo, como que por milagre. Afinal, acreditamos que Deus é brasileiro.

Em nossa primeira participação como sede do maior evento esportivo do planeta, temos nos revelado péssimos anfitriões. Os apartamentos que deveriam abrigar as delegações estão "inabitáveis", de acordo com os próprios atletas. Fotografias divulgadas dos locais mostram imensas poças d"água, buracos nas paredes, fiações soltas. Em muitas unidades, faltam água e gás. O serviço de coleta de esgoto não funciona. A Suécia abandonou a Vila Olímpica, a Bielorrússia divulgou foto de janela encardida. Teve quem denunciasse até mesmo furtos dentro da Vila Olímpica.

As autoridades brasileiras mereceriam uma medalha da vergonha ante tanto desleixo. Como sempre, a corda arrebenta do lado mais fraco, e o síndico da Vila Olímpica será afastado. Pergunto: Paes, o governador do Rio ou outras autoridades não inspecionaram o local? Uma obra desse porte não deveria ser extremamente relevante para a imagem do Brasil e dos Jogos? Mais uma vez, somos expostos ao ridículo. Na semana passada, o "complô terrorista" anunciado pela Polícia Federal foi ironizado pela mídia internacional, que contestou a periculosidade dos 11 detidos e viu um bando de marmanjos conversando no WhatsApp e tentando comprar um fuzil em site do Paraguai.

Se tivéssemos devotado o mesmo zelo e rigor com a infraestrutura da Vila Olímpica, talvez não fôssemos alvos de tanto escracho. Talvez tivesse sido melhor que um ex-presidente guardasse para si a megalomania e não apoiasse com tanto entusiasmo a realização das Olimpíadas em solo brasileiro. Temos tantos problemas a resolver. Milhões de desempregados, crianças passando fome, violência desenfreada, inflação galopante, juros estratosféricos, escândalos de corrupção a torto e a direito. E queremos provar para o mundo algo ainda tão distante de nossa realidade. Os deuses do Parthenon devem estar corados de tanta vergonha.


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