O povo está cansado das obras faraônicas como as da Copa, da Olimpíada e da transposição do São Francisco. Cansado de projetos inconsistentes, como o do pré-sal
A sabedoria popular tem nos falado das pragas do Egito que estariam assolando o Brasil. Partindo dessa intuição popular, podemos encontrar no próprio império egípcio, um dos mais longos da civilização, reflexão para nosso tempo.
No Antigo Império (3.200 a.C.-2.100 a.C.), os faraós começaram a construir pirâmides para servirem de monumentos fúnebres para eles mesmos. O império estava rico e unido nesse período, apesar de manter a imensa maioria da população em situação lastimável e apenas os sacerdotes e escribas com enormes privilégios. Como a construção da Pirâmide de Quéops, a maior delas, acabou gerando revoltas, os faraós começaram a reduzi-las de tamanho, mas enriquecendo o interior das mesmas, o que ocorreu com a de Miquerinos, a menor delas no conjunto de Gizé, por temor das reações populares.
Da mesma forma, séculos depois, a monarquia francesa, incomodada com as pressões da plebe ignara no Palácio do Louvre, onde residia, resolveu construir Versalhes, a quilômetros da capital Paris. Alguém convenceu os nobres de que, afastados, eles não ficariam expostos àquela pressão permanente da capital. E que, afastados, a população não veria os signos de ostentação, riqueza e preguiça da nobreza. Deu certo com Luís XIV, Luís XV até Luís XVI, que acabou guilhotinado na Place de La Concorde. Afastada da pressão, a monarquia se distanciou ainda mais do povo e só acordou quando a Revolução já era irreversível.
A História pode nos ser útil se soubermos examiná-la com certa irreverência e pudermos extrair as lições que elas nos oferece gratuitamente com um pouco de dedicação intelectual. Brasília, de certa forma, é uma Versalhes permanente da vida brasileira. Não há como recuar no tempo, mas, se pudéssemos, veríamos que mesmo o grande Juscelino Kubitschek talvez tivesse incentivado o crescimento do país para o centro, despregando-o do litoral por onde por séculos o desenvolvimento se realizou; sem necessariamente mudar a capital. Entretanto, esse raciocínio é hoje uma hipótese sem sentido prático, logo inútil. Temos que nos ater ao campo do possível, trabalhar para fazer Brasília tornar a ter sensibilidade para o que ocorre no restante do país.
A população brasileira está possuída de total descrença na vida política e de uma grande revolta com os privilégios da classe política que age como uma casta com regras, foros e privilégios próprios. Sabemos que nossa crise é mais política do que econômica. Do ponto de vista econômico, o presidente Temer montou uma equipe da maior qualidade, chefiada por Henrique Meirelles, que traçou um roteiro claro e possível para o equilíbrio das contas públicas e a retomada do crescimento. O futuro parece incerto e nebuloso no cenário político, que normalmente já é povoado por nuvens e que nesse momento são especialmente carregadas. Sabemos que, por isso mesmo, não adianta demonizar a classe política, nem o Congresso Nacional, porque apenas com ambos poderemos sair do imbróglio que nos encontramos de forma legítima.
O povo está cansado das obras faraônicas como as da Copa do Mundo, da Olimpíada e da transposição do São Francisco. Cansado de projetos inconsistentes, como o do pré-sal. Vamos lembrar também da Rodovia Transamazônica (1968-1974), para não sermos injustos em identificar equívocos apenas nos dias atuais. A população precisa e quer coisas simples: saúde, educação, transporte e segurança. Governos que se concentrarem nessas tarefas e governantes que exerçam suas funções com a consciência de que ocupam uma função pública e que têm que servir ao público e não a si próprios terão enorme êxito.
Prometeram a todos nós um grande legado olímpico. Ele não é claro nesse momento; ao contrário, os prejuízos dessa empreitada parecem mais nítidos que os benefícios apregoados. Vamos, entretanto, torcer que estejamos errados e que ele se materialize. Talvez o grande legado seja exatamente esse: retirar da pauta política brasileira sua tentação para o gigantismo egípcio, voltando a dirigir os investimentos públicos para a consecução dos seus objetivos fundamentais.
Luiz Roberto Nascimento Silva é advogado e foi ministro da Cultura
A sabedoria popular tem nos falado das pragas do Egito que estariam assolando o Brasil. Partindo dessa intuição popular, podemos encontrar no próprio império egípcio, um dos mais longos da civilização, reflexão para nosso tempo.
No Antigo Império (3.200 a.C.-2.100 a.C.), os faraós começaram a construir pirâmides para servirem de monumentos fúnebres para eles mesmos. O império estava rico e unido nesse período, apesar de manter a imensa maioria da população em situação lastimável e apenas os sacerdotes e escribas com enormes privilégios. Como a construção da Pirâmide de Quéops, a maior delas, acabou gerando revoltas, os faraós começaram a reduzi-las de tamanho, mas enriquecendo o interior das mesmas, o que ocorreu com a de Miquerinos, a menor delas no conjunto de Gizé, por temor das reações populares.
Da mesma forma, séculos depois, a monarquia francesa, incomodada com as pressões da plebe ignara no Palácio do Louvre, onde residia, resolveu construir Versalhes, a quilômetros da capital Paris. Alguém convenceu os nobres de que, afastados, eles não ficariam expostos àquela pressão permanente da capital. E que, afastados, a população não veria os signos de ostentação, riqueza e preguiça da nobreza. Deu certo com Luís XIV, Luís XV até Luís XVI, que acabou guilhotinado na Place de La Concorde. Afastada da pressão, a monarquia se distanciou ainda mais do povo e só acordou quando a Revolução já era irreversível.
A História pode nos ser útil se soubermos examiná-la com certa irreverência e pudermos extrair as lições que elas nos oferece gratuitamente com um pouco de dedicação intelectual. Brasília, de certa forma, é uma Versalhes permanente da vida brasileira. Não há como recuar no tempo, mas, se pudéssemos, veríamos que mesmo o grande Juscelino Kubitschek talvez tivesse incentivado o crescimento do país para o centro, despregando-o do litoral por onde por séculos o desenvolvimento se realizou; sem necessariamente mudar a capital. Entretanto, esse raciocínio é hoje uma hipótese sem sentido prático, logo inútil. Temos que nos ater ao campo do possível, trabalhar para fazer Brasília tornar a ter sensibilidade para o que ocorre no restante do país.
A população brasileira está possuída de total descrença na vida política e de uma grande revolta com os privilégios da classe política que age como uma casta com regras, foros e privilégios próprios. Sabemos que nossa crise é mais política do que econômica. Do ponto de vista econômico, o presidente Temer montou uma equipe da maior qualidade, chefiada por Henrique Meirelles, que traçou um roteiro claro e possível para o equilíbrio das contas públicas e a retomada do crescimento. O futuro parece incerto e nebuloso no cenário político, que normalmente já é povoado por nuvens e que nesse momento são especialmente carregadas. Sabemos que, por isso mesmo, não adianta demonizar a classe política, nem o Congresso Nacional, porque apenas com ambos poderemos sair do imbróglio que nos encontramos de forma legítima.
O povo está cansado das obras faraônicas como as da Copa do Mundo, da Olimpíada e da transposição do São Francisco. Cansado de projetos inconsistentes, como o do pré-sal. Vamos lembrar também da Rodovia Transamazônica (1968-1974), para não sermos injustos em identificar equívocos apenas nos dias atuais. A população precisa e quer coisas simples: saúde, educação, transporte e segurança. Governos que se concentrarem nessas tarefas e governantes que exerçam suas funções com a consciência de que ocupam uma função pública e que têm que servir ao público e não a si próprios terão enorme êxito.
Prometeram a todos nós um grande legado olímpico. Ele não é claro nesse momento; ao contrário, os prejuízos dessa empreitada parecem mais nítidos que os benefícios apregoados. Vamos, entretanto, torcer que estejamos errados e que ele se materialize. Talvez o grande legado seja exatamente esse: retirar da pauta política brasileira sua tentação para o gigantismo egípcio, voltando a dirigir os investimentos públicos para a consecução dos seus objetivos fundamentais.
Luiz Roberto Nascimento Silva é advogado e foi ministro da Cultura
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