O Estado de S. Paulo - 09/06
Neste semestre o Brasil ocupa a presidência do Mercosul. Mas foram o Uruguai e o Paraguai que tomaram a iniciativa de propor uma análise objetiva e franca do bloco e também a revisão de suas regras.
O chanceler uruguaio, Rodolfo Nin Novoa, desde o início do governo Tabaré Vázquez, em março, tem se pronunciado a favor de o Mercosul retornar às suas origens e admitir seus erros, de modo a permitir que ele possa integrar-se plenamente ao comércio global e pôr um ponto final no isolamento das principais correntes de comércio. Novoa insistiu na necessidade de o Mercosul cumprir os tratados sobre a livre circulação de bens e serviços e funcionar como uma zona em que não haja restrições protecionistas nem interferências para que os países menores possam desenvolver suas potencialidades.
Já o chanceler paraguaio, Eladio Loizaga, defende a ideia de que o acordo de facilitação de comércio da Organização Mundial do Comércio (OMC) seja incorporado às regras do Mercosul para ajudar a promover o comércio e a competitividade. “Temos de coordenar políticas que possam fazer o Mercosul retornar a seus objetivos iniciais e à razão de sua criação: um espaço geográfico importante, com a livre circulação de bens, sem restrições protecionistas ou barreiras não tarifárias.”
Em recente visita a Brasília, o presidente do Uruguai, Tabaré Vasquez, reafirmou a necessidade de reformas no Mercosul e a prioridade da negociação com a União Europeia (UE). Ao final da visita presidencial, um dos objetivos uruguaios foi aceito: o Brasil modificou sua atitude e admitiu a flexibilização das regras para permitir o avanço dos entendimentos com a UE em diferentes velocidades.
A oposição do Brasil e da Argentina tornou inviáveis essas propostas até aqui. Haveria, assim, sinais de que a posição brasileira está mudando. Em recente reunião da Câmara de Comércio Exterior (Camex), o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, defendeu uma modificação da atual política de comércio exterior ao pregar uma agenda de abertura da economia. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Armando Monteiro, tem expressado preocupação com o Mercosul tanto pelo imobilismo de suas regras quanto pelo isolamento em relação aos acordos comerciais. E defendeu a mudança das regras para permitir ao Brasil negociar acordos com países fora da região. E na recente visita ao México, em surpreendente e positiva mudança de posição, a presidente Dilma Rousseff disse que o Brasil vai “fazer um maior esforço e ser agressivo na busca de acordos comerciais”.
A paralisia do grupo regional e as crescentes medidas protecionistas da Argentina preocupam o setor privado brasileiro, o maior prejudicado por essa situação. Noticia-se agora a criação de mais uma comissão de acompanhamento do comércio bilateral do Brasil com a Argentina, que terá pouca influência no desmonte das medidas protecionistas e pouco impacto nas negociações do Mercosul.
Internamente, vozes importantes pedem a volta do Mercosul a uma área de livre-comércio e maior liberdade para que o Brasil possa negociar novos acordos com países de fora da região. Foi esse o tom do discurso proferido recentemente pelo senador José Serra no Senado e de documentos da CNI, da Fiesp e do Iedi. O governo está dividido em relação ao tema, como evidenciado por manifestações de ministros como Miguel Rossetto e mesmo representantes do Itamaraty e do MDIC em favor do Mercosul. Parte do setor privado também expressa preocupação com as modificações das regras do grupo, sobretudo pela perda de competitividade da indústria, sem uma clara agenda oficial microeconômica para reduzi-la.
É previsível a continuada oposição da Argentina e da Venezuela à flexibilização das regras do Mercosul. É do interesse brasileiro ignorar essa oposição e assumir a liderança nas tratativas para retomar os entendimentos com a UE e aceitar a ampliação na negociação externa com países mais desenvolvidos, como o Canadá e a Coreia do Sul. A Espanha defendeu abertamente uma opção pragmática para que as conversações entre a União Europeia e o Mercosul possam avançar. Em recente visita do vice-presidente Michel Temer a Madri, o ministro do Exterior espanhol sinalizou dúvidas sobre o acordo birregional e sugeriu adotar o procedimento seguido com a Comunidade Andina, o que, na prática, significa buscar um acordo diretamente com o Brasil e com outros países que se disponham a fazê-lo. Essa mensagem é um bom sinal para o nosso país, visto que em recente documento de estratégia comercial externa a UE nem sequer incluiu o Mercosul como prioridade.
A agenda da próxima reunião presidencial, em julho, reforça a necessidade de uma reavaliação geral do Mercosul. A união aduaneira tornou regra a exceção: mais um alongamento de prazos deve ser aprovado. Um dos itens principais da pauta será a extensão até 2023 para a continuação de regimes especiais (drawback interno, listas de exceção, bens de capital e informática, regime agropecuário e matérias-primas). Na negociação externa, deverá ser reafirmada a prioridade dos entendimentos com a UE, com a novidade de que poderão ser examinadas flexibilidades para acomodar preocupações de outros parceiros, se necessário.
Não há mais espaço para hesitações por parte do Mercosul em vista das grandes transformações por que passa o comércio internacional, em especial pelos mega-acordos dos EUA com a Europa e a Ásia e pelas novas regras que estão sendo elaboradas fora da OMC.
Na reunião de ministros Mercosul-União Europeia depois de amanhã, em Bruxelas, o Brasil deveria insistir na fixação de uma data para a reativação das negociações, no compromisso de intercambiar conjuntamente suas ofertas antes da referida reunião presidencial e também na aceitação de ritmos e velocidades de negociação diferentes entre os países-membros, se for necessário.
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