O GLOBO -09/06
A descriminalização do consumo de drogas, que está em discussão neste momento pela decisão da Defensoria Pública do Rio de considerar inconstitucionais todas as prisões de usuários de drogas, vai ser objeto de análise do Supremo Tribunal Federal ( STF) nos próximos dias, provavelmente antes do recesso do Judiciário.
A medida foi tomada, como O GLOBO revelou no sábado, dentro de uma política mais ampla, de esvaziar as cadeias superlotadas do país, sob orientação do Conselho Nacional de Justiça ( CNJ).
O relator do recurso extraordinário 635659 é Gilmar Mendes, que, como presidente do STF e do CNJ, coordenou os mutirões carcerários que libertaram milhares de presos em todo o país. Ele deve liberar o processo para julgamento amanhã. O mais provável é que leve em consideração a consequência de uma visão criminal do consumo de drogas para a superlotação do sistema penitenciário brasileiro, já tão insuficiente.
Em 2013, o defensor público de São Paulo Leandro de Castro Gomes recorreu ao Supremo da decisão do Colégio Recursal do Juizado Especial de Diadema/ SP que condenou um seu cliente a 2 meses de prestação de serviço à comunidade, por guardar 3 gramas de maconha num único invólucro para consumo próprio.
Gilmar provavelmente determinará no voto que o preso em flagrante com drogas seja levado a um juiz, que definirá se se trata de usuário ou traficante. O usuário já não é hoje condenado à prisão, mas em muitos casos é tratado como traficante, servindo para aumentar a superlotação nas cadeias. A tendência liberal em termos de costumes do STF indica que provavelmente a descriminalização do consumo será aprovada.
Várias entidades entraram no processo como "Amicus Curiae" - "Amigo da Corte", com representatividade para se manifestar em disputas de constitucionalidade -, entre elas o Viva Rio, dirigida pelo sociólogo Rubem César Fernandes, com base em trabalho do professor de Direito Penal da USP Pierpaolo Bottini.
O centro da argumentação é a inconstitucionalidade do artigo 28 da lei 11.323, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas. Embora tenha alterado o tratamento penal para o porte de drogas ilícitas para consumo pessoal, substituindo a prisão de 6 meses a 2 anos pelas penas de advertência, prestação de serviços à comunidade ou medida educativa obrigatória, a nova legislação, segundo o jurista, manteve "o desvalor penal do comportamento, não retira sua natureza delitiva nem o caráter estigmatizante da incidência da norma penal".
Segundo Bottini, a criminalização do porte de drogas para uso pessoal afronta não só a norma constitucional que protege a intimidade e a vida privada, mas, sobretudo, a que prevê as bases sobre as quais se sustenta todo o modelo político e jurídico nacional: a dignidade da pessoa humana e a pluralidade.
O propósito do texto, que foi apresentado na forma de petição ao STF, "não é discutir os efeitos prejudiciais das substâncias entorpecentes, nem minimizar as preocupações de amplos setores da sociedade civil e do governo com problemas inerentes ao tráfico e consumo de drogas, (...), mas identificar a inconstitucionalidade de uma política de combate ao tráfico de drogas apoiada na criminalização de uma das vítimas de tais organizações, o usuário".
O documento apresenta diversos exemplos de países em que "a dignidade humana e a intimidade pautam o modelo constitucional, o uso de drogas tornou-se matéria estranha ao Direito Penal, (...) indicando a perfeita convivência de Estados democráticos voltados para o combate ao tráfico de drogas e à inibição do consumo com um ordenamento penal que respeite a dignidade do usuário de entorpecentes".
O documento cita a legislação de Portugal, que a partir de 2000 passou a dispor que o consumo, a aquisição e a detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações caracterizadas como drogas deixam de ser crimes e passam a ser contraordenação ( ilícito administrativo).
Na mesma linha, os Legislativos espanhol, chileno, uruguaio e italiano deixaram de fora da área penal o consumo de drogas. As leis de Áustria, França, México, Noruega e Alemanha dispõem que o porte só tem relevância penal quando destinado ao tráfico ilícito.
Na Colômbia e na Argentina, foram as Cortes Constitucionais que decidiram pela inconstitucionalidade de criminalizar o consumo de drogas.
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