O ESTADÃO - 09/06
Sepp Blatter é a Dilma com vergonha na cara? Nada disso. É que aquele país onde ladrão não tem blindagem logo o fez saber que sabe sobre ele muito mais do que ele pensava que sabia. E nem assim está garantido que ele não vá ter de “dar” só porque se apressou a “descer”.
Já o inconfundível DNA brasileiro desse “padrão Fifa de corrupção”, esse ninguém tasca.
Dizia uma fonte do New York Times, com uma ponta de admiração, que “mr. Blatter jogou um jogo muito esperto”. Uma ova! Os jogos desse tipo nunca enganaram ninguém. São patéticos de tão óbvios. O que falta, onde chegam a fincar raízes, é polícia. Na ausência desta, chega-se, eventualmente, até as profundidades abissais que só se atingem ao fim de séculos nadando impunemente para o fundo em que nos movemos, onde quadrilhas de todos conhecidas roubam “de um tudo”, mas bem mais de quem está mais indefeso, como hospital de criança pobre doente, na certeza de que do outro lado estarão vítimas inermes atiradas às feras por um “Judiciário” que desfaz até o que a polícia faz.
Não é “esperto”. É só nojento.
Como se chega a isso? No “fifão” e no “petrolão” o método foi idêntico. Ligue os pontos.
João Havelange, que mandou na Fifa 25 anos, é quem concebe a ideia de substituir a representação do futebol que existe por outra “mais democrática”, baseada na “geografia dos excluídos do futebol”. O resultado é idêntico ao modelo do Congresso Nacional que o inspirou, onde há mais representantes de paisagens que de brasileiros. Do suborno, pelo suborno e para o suborno, foi plantado e colhido um “baixo clero” para expropriar de seus atores o futebol que a Fifa vende, incorporando ao colégio de federações nacionais que elege seus diretores um monte de países e ilhas remotas onde nunca se ouviu falar em bola, pelo expediente de proporcionar a tipos sinistros necessitados de circo para esconder falta de pão e sobra de brutalidade a criação de “ONGs/escolas de futebol” regadas a dinheiro público, campos e estádios maiores que as populações locais e o mais que conhecemos.
João Havelange é, portanto, o “pai de todos”.
Desse caldo emoliente ele pesca, ao fim de um quarto de século, a sua criatura. Ao portentoso “gerentão” Sepp Blatter caberá dar a um sistema até então apoiado apenas na falta de escrúpulo a coesão imposta pelas “melhores práticas de gestão corporativa”, esse anabolizante de resultados de sistemas bons ou ruins, pouco importa.
É ele o “faxineiro só que não” da obra do próprio difusor de lixo que o criou. Sobe ao palco em 1998 falando grosso no meio de um escândalo de entrega de malas de dólares a delegados africanos em hotéis de Paris, do qual é o principal protagonista: “Daqui por diante a Fifa vai ser exemplar em todos os aspectos. Qualquer desvio ético, por menor que seja, será severamente punido”.
No mundo real, sua primeira providência é criar as oito vice-presidências regionais, equivalentes aos nossos grandes “partidos-arca”, que irão constituir o “núcleo político” do sistema. É da lista desses “grandes caciques” que sai um bom número dos arrastados na primeira fornada de prisões feitas naquele hotel fino e chique de Zurique, a sede do “núcleo financeiro”.
Abaixo desse nível monsieur Blattér põe em andamento a estruturação do “núcleo administrativo” do “fifão”, equivalente ao que aqui vive enquistado dentro da Petrobrás e do resto do aparato estatal e paraestatal, sem exceções, por enquanto com 12 “comitês executivos” e crescendo, nomeados pelo “baixo clero” das “federações” de representantes de paisagens. Valem-se dos cargos recebidos para tramar vendas a bom preço, com que pagam aos atores do show, e revendas a preços muito melhores, com que se locupletam, de direitos de transmissão dos jogos de seus campeonatos com “companhias de marketing esportivo” de cartas marcadas que fazem parte do “clube”, ou seja, o “núcleo econômico” que, embolsado o seu quinhão, entrega a diferença ao “núcleo político”, que organiza e mantém toda a falcatrua, com os préstimos do “núcleo financeiro”. O trança-trança de jogadores por seleções a cargo de dublês de técnicos e corretores de gente que fizeram do futebol essa beleza que ele virou onde não se reagiu à infecção é um dos bônus do sistema. Mas o grosso vem da venda de mundiais a quem pagar mais e, na sequência, do assalto conjunto da Fifa e seu mais recente sócio contra a população condenada a hospedar a Copa.
A particularidade do “fifão” é que, não sendo a autoridade financeira de uma das pontas lesadas uma parte integrante do esquema, como é aqui, na Suíça e alhures, foi de lá que vieram as investigações e as denúncias que acabaram por agarrar por um tornozelo a brasileiríssima Traffic, de US$ 500 milhões por ano, que detona o efeito dominó. É ela o equivalente à maior das empreiteiras do “clube” do “petrolão”, de que se confessa “garoto de recados” o nosso “pai de todos” e que, graças a isso, é a única que nem entra em delações premiadas, nem vai presa quando denunciada numa, embora não haja quem não saiba que é quem mais merece jaula neste país.
Por trás de todo grande esquema de corrupção o que há, portanto, é só um bando de covardes de alma negra sugando o sangue de quem menos pode defender-se para sustentar um esquema de poder de pai para filho, por toda a eternidade se possível. Pilhados, dirão sempre, primeiro, que “não sabiam de nada” e, in extremis, que são vítimas do “racismo” e do “preconceito” do “grande satã” inimigo dos pobres e das belas tradições do mundo, com o aplauso dos putins, das kirchners e das velhas marafonas curtidas por gerações na prática do lenocínio financeiro das suíças da vida, como foi regra geral em todo o planeta por milênios até o advento da revolução chamada democracia, aquela do “nenhum poder e nenhum dinheiro que não seja fruto do mérito”, que nunca chegou por aqui. Esta, ao fazer todos iguais perante a lei e armar a mão do povo com poder de polícia, põe logo o John Wayne em campo, quando ouve essa lengalenga, para, com um par de petelecos, acabar com a palhaçada.
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