O ESTADO DE S.PAULO - 08/03
Inflação rima com petrolão e isso é muito mais, neste momento, que uma coincidência fonética. O desarranjo dos preços, a bagunça fiscal e o saque da Petrobrás são consequências de um estilo de política. Em fevereiro, a inflação acumulada em 12 meses chegou a 7,7%, a maior taxa desde maio de 2005. Para explicar esse dado é preciso ir além da teoria econômica e ver como o poder é exercido no Brasil. O loteamento da administração direta e indireta, o populismo, o voluntarismo e a intervenção autoritária em todos os domínios da gestão pública são aspectos do mesmo fenômeno. Esse tipo de governo, mesmo com a presença de componentes honestos e até de alguns competentes, acaba criando espaço para o desmando, a acumulação de erros, a maquiagem dos problemas e a corrupção.
Nem tudo está previsto nos códigos legais nem todos os participantes da grande festa de erros e malfeitos dos últimos anos são criminosos, pelo menos tecnicamente. Mas os fatos investigados na Operação Lava Jato, é importante lembrar, são apenas uma parte - a mais escandalosa - de uma história bem mais ampla. Muito mais que um problema de uma grande empresa, a pilhagem da Petrobrás foi consequência de uma forma de ocupação do aparelho do Estado e de exercício do poder. Se fosse apenas um caso de corrupção funcional, mesmo de proporções incomuns, a lista do procurador Rodrigo Janot incluiria pouco mais que funcionários de algumas companhias.
A devastação da Petrobrás envolveu muito mais que uma longa sequência de atos de corrupção. Pode ter havido mamata na compra da refinaria de Pasadena, por exemplo, e esse é um assunto ainda sujeito a investigação. Mas essa compra só foi possível porque o conselho de administração a aprovou. As informações podem ter sido insuficientes. Quando o caso foi divulgado, alguém mencionou um relatório de duas páginas e meia, necessariamente incompleto. Ninguém terá sentido falta de mais informação? A presidente do conselho, futura presidente da República, não poderia, ou deveria, ter cobrado um relatório mais completo? Alguém compraria um apartamento com tão poucos dados?
A pouca disposição de intervir na compra de uma refinaria contrasta escandalosamente com a interferência do governo na formação de preços. Determinar preços com base em custos deveria ser um ato rotineiro na gestão de uma empresa - e é, na maior parte dos casos. Seria também no caso da Petrobrás, se fosse administrada como companhia aberta e alimentada pela poupança de enorme número de acionistas nacionais e estrangeiros. Mas como resistir à tentação de controlar politicamente os preços, mesmo com perdas importantes? Por que não orientar os planos de investimento para atender a aliados internos e externos, mesmo sem calcular cuidadosamente o custo dos projetos? Segundo um ex-diretor da Petrobrás, a estimativa inicial de custo da Refinaria Abreu e Lima foi uma conta de padeiro. Isso foi uma calúnia. Nenhum padeiro sobreviveria fazendo cálculos como esse e maltratando dessa forma o dinheiro dos sócios.
O mesmo estilo de comando foi usado com as empresas do setor elétrico. Concessões foram renovadas antecipadamente, amortizações ficaram incompletas e tarifas foram congeladas por ordem da presidente da República. O Tesouro foi forçado a gastar bilhões para socorrer empresas do setor.
Esse voluntarismo disfarçou as pressões de custo, distorceu os indicadores de inflação, atrapalhou os investimentos em áreas muito importantes, transmitiu sinais errados aos consumidores e agravou o problema das contas públicas. O déficit nominal do setor público ultrapassou 6% do produto interno bruto (PIB). A situação fiscal do Brasil ficou pior que a de muitas economias bem mais afetadas pela crise de 2008. Várias dessas economias, a começar pela americana, têm crescido mais do que a brasileira. Outra consequência dos desmandos foi a acumulação de pressões de custo reprimidas.
Essa coleção de lambanças complicou tanto o conserto das contas de governo quanto o combate à inflação. Para arrumar as finanças públicas a equipe econômica tem sido forçada a desmontar o absurdo e confuso aparato de benefícios fiscais e subsídios financeiros construído nos últimos anos. Além disso, é preciso interromper o auxílio do Tesouro às empresas do setor elétrico.
Parte dessa operação resulta em contas maiores para o consumidor pagar. Isso inclui a correção das tarifas de eletricidade e também do transporte público, represadas em várias cidades, como São Paulo, por pressão da Presidência da República. Em outros países, a queda do preço do petróleo tem resultado em preços menores nas bombas de combustíveis. Não no Brasil, por causa da situação da Petrobrás, já rebaixada ao nível especulativo pela Moody's. A maior empresa brasileira, responsável principal pela exploração do pré-sal, hoje precisa desinvestir para melhorar sua condição de caixa. O portal da empresa na rede exibiu nos últimos dias a manchete Petrobrás revisa seu plano de desinvestimento. A ideia é vender ativos no valor de US$ 13,7 bilhões. Sim, a empresa descobridora do pré-sal tem hoje um plano de desinvestimento.
Para os saudosistas, o cenário da economia nacional tem pelo menos um atrativo: depois de muito tempo, os brasileiros voltam a experimentar uma inflação corretiva. A maior parte dos jovens nem deve conhecer essa expressão, popularizada, em outras eras, quando foi preciso realinhar preços represados. Esse realinhamento é apenas parte do problema, porque outros fatores de pressão ainda estão presentes, incluído o desajuste das contas públicas. Do lado fiscal o trabalho de arrumação apenas começou. Por um bom tempo o combate à inflação ainda vai depender dos juros, agora aumentados de 12,25% para 12,75%. A conta dos desmandos será paga principalmente por trabalhadores, consumidores e contribuintes. Mas essa parte do espetáculo será menos vistosa que a sequência da Operação Lava Jato.
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