O GLOBO - 07/02
De tanto repetirem a própria publicidade, as lideranças fizeram o povo acreditar nas ilusões
O problema do ajuste fiscal está na falta de ajustes sociais, que substituam direitos velhos por novos direitos estruturais, assegurando bem-estar social permanente aos cidadãos. Ao longo dos últimos anos, o Brasil optou por uma verdadeira folia de gastos públicos, consumismo exacerbado, baixo nível de poupança e investimento, irresponsabilidade fiscal, preços administrados, contabilidade criativa escondendo a realidade, desonerações fiscais em dimensões escandalosas. Ignorando os alertas, os partidos no governo comemoravam euforicamente os benefícios do curto prazo. De tanto repetirem a própria publicidade, as lideranças fizeram o povo acreditar nas ilusões: o pré-sal resolveria tudo, empresas como o grupo X colocariam o país no cenário mundial, o BNDES construiria a nação emergente mais dinâmica do século 21.
A realidade desfez as ilusões, os alertas se mostraram proféticos, mas a eleição não permitia que se admitisse a crise. A folia econômica que se esgotava chegou à política e as ilusões foram ampliadas pelo marketing. Os eleitores passaram a acreditar que nunca o Brasil fora tão rico, dinâmico e sem pobreza, e que o país daria passos para trás se não reelegesse o grupo no poder.
O resultado é que a economia brasileira chegou a 2014 em uma situação de crise de proporções catastróficas: déficit em transações correntes de 4,2%, déficit nominal de 6,7% e dívida pública bruta de 6,3% (em relação ao PIB); além de inflação persistente acima da meta.
Agora, passadas as eleições, o governo faz tudo o que acusava seus opositores de pretenderem fazer contra o povo e o país: elevação da taxa de juros, controle de gastos, redução de direitos e realismo nos preços passaram a ser defendidos como ajustes necessários. A fala do novo ministro da Fazenda, carregada de medidas antifolia, passou a ser aceita pelos que as criticavam, enquanto outros que antes se beneficiavam da folia começam a criticar os ajustes.
O problema das últimas medidas não está na fala do ministro Levy controlando ou eliminando direitos trabalhistas, mas na falta de falas ousadas dos demais ministros, como do Trabalho, da Educação e da Saúde, oferecendo novos direitos. Alguns ajustes nos chamados benefícios sociais são necessários para corrigir os desastres criados pela folia fiscal, mas, em vez de repudiá-los ou de se conformar a eles, é preciso atualizá-los e fazê-los avançar. Alguns dos antigos direitos trabalhistas não têm como ser mantidos, mas novos direitos devem ser implementados.
Alguns dos atuais direitos precisarão ser moralizados, modificados e substituídos por direitos contemporâneos, como: direito do filho do trabalhador à mesma escola de qualidade do filho do patrão; licenças periódicas para efetiva capacitação; direito do trabalhador à licença para ir à escola do filho e para cuidar preventivamente de sua saúde.
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