O ESTADO DE S.PAULO - 07/02
Mais uma vez o Brasil deixa americanos, europeus e japoneses para trás, conseguindo em apenas um mês uma inflação muito maior que a exibida no mundo rico em um ano. A vida terá voltado ao normal nos países avançados quando os preços no varejo subirem no ritmo anual de 2% - pelo menos segundo os padrões de avaliação dos bancos centrais. A zona do euro tem sido assombrada pelo espectro da deflação, bem conhecido na economia japonesa. Pelo menos desse problema os brasileiros continuam muito distantes, graças à gastança, aos erros e aos truques de circo mambembe de seus governantes. No mês passado, os preços de bens e serviços comprados pelas famílias subiram em média 1,24%, de acordo com dados incluídos no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Em 12 anos, foi a maior alta desse indicador num mês de janeiro. Em 12 meses, a variação acumulada chegou a 7,14%, número superado apenas pela alta de 7,31% no período até setembro de 2011, primeiro ano da presidente Dilma Rousseff.
A meta anual de 4,5% foi sempre superada com folga nos últimos quatro anos. O desvio para cima, em 2015, deverá ser bem maior, segundo as previsões correntes. No mercado financeiro, a mediana das apostas era uma alta de 7,01% neste ano, de acordo com a sondagem realizada pelo Banco Central (BC). Para isso será necessário, naturalmente, garantir de agora em diante resultados bem menores que o de janeiro. É muito difícil de imaginar esse quadro sem pelo menos mais uma alta, provavelmente de 0,5%, dos juros básicos.
A inflação do mês passado refletiu, como se previa, a correção ainda parcial de preços contidos politicamente nos últimos anos. O item habitação, com alta de 2,42% e impacto de 0,35 ponto porcentual na formação do IPCA, foi fortemente influenciado pelo aumento médio de 8,27% do custo da energia elétrica. Em 9 das 13 áreas metropolitanas cobertas pela pesquisa o aumento das contas de luz ficou acima de 7,6%. A maior alta, de 11,66%, ocorreu em Porto Alegre. A segunda maior, de 11,46%, ocorreu em São Paulo. As tarifas de eletricidade foram congeladas há pouco mais de dois anos por decisão da presidente Dilma Rousseff e começaram a ser liberadas em 2014. A correção continua incompleta. Além disso, novos ajustes foram anunciados durante a semana pelo ministro de Minas e Energia, porque a seca se prolonga e será preciso continuar usando a energia mais cara das termoelétricas.
Também a correção das tarifas de transporte coletivo, contidas por influência do governo federal, afetou o IPCA em janeiro. No grupo transportes, o aumento médio ficou em 1,83% e foi determinado principalmente pelos ajustes das passagens de ônibus urbano e de metrô.
Esses ingredientes bastam para tornar indigesta uma sopa de números, mas servem para evidenciar, mais uma vez, o esforço do governo para disfarçar as pressões de custos e maquiar os índices de preços. Apesar desse esforço, os índices de inflação foram sempre ruins nos últimos anos e a variação anual do IPCA sempre esteve próxima - e algumas vezes acima - de 6,5%, limite superior da margem de tolerância.
A correção de preços contidos politicamente é inevitável e mais dolorosa quanto mais prolongado tenha sido o artifício. Além de inútil no combate à inflação, essa ação distorce a operação dos mercados. Ao transmitir um sinal errado sobre os preços, estimula o consumo, quando o correto seria o incentivo à economia. Ao mesmo tempo, a intervenção nos preços afeta a situação de caixa, a saúde financeira e a capacidade de investimento das empresas fornecedoras do bem ou serviço. O caso da Petrobrás, com a contenção política dos preços de combustíveis, era bem conhecido. O das empresas do setor elétrico ampliou o histórico e as consequências das intervenções desastradas.
Mas os preços administrados são uma pequena parte da história. Mesmo sem aumento desses preços, a inflação tem sido sustentada por outros fatores, como a gastança pública e o incentivo maior ao consumo que a produção. A herança dos erros é muito mais ampla.
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