O ESTADO DE S.PAULO - 07/02
A presidente Dilma Rousseff utilizou a mensagem anual ao Congresso Nacional para insistir numa intencional confusão entre as deficiências do atual sistema de representação e as causas da corrupção. Ao se referir ao esforço para combater a corrupção e a impunidade - esforço este que, para ser mais fiel à realidade, deveria vir acompanhado de aspas, por seu caráter duvidoso ou, ao menos, bastante ineficaz até o momento -, a presidente Dilma disse que tal esforço "produzirá resultados apenas parciais, caso o Brasil não enfrente a fonte principal dos desvios e dos desmandos: as insuficiências e distorções do nosso sistema de representação política".
É mais que evidente a necessidade de uma reforma política. Os resultados do atual sistema de representação são apresentados diariamente aos olhos de todos os brasileiros. É um sistema que serve muito bem aos interesses de alguns, e muito mal ao interesse público. Exemplo disso é a proliferação de partidos, que não atende à diversidade de pensamento e opinião de uma sociedade vibrante e plural. Essa proliferação satisfaz a ambições e interesses particulares. Produz partidos que não representam parcelas ou minorias, organizando o povo, porque são legendas de aluguel, à disposição de quem mais pague ou melhores condições ofereça.
Outra coisa, muito diversa dos problemas de representação, é a corrupção estonteante da qual se vai tendo mais detalhes a cada dia. No entanto, a presidente Dilma parece querer tratar as duas como se fossem muito próximas.
De acordo com a mensagem da presidente ao Congresso, o culpado pela corrupção seria o sistema político. E, pelo que se pode deduzir do enviesado raciocínio presidencial, as pessoas que praticam corrupção não seriam tão corruptas assim. Seriam, antes, reféns de um perverso sistema.
Naturalmente, esse modo de pensar é benéfico à presidente, já que ela simplesmente lava as mãos pelo que de ruim acontece em seu governo. Para acabar com a corrupção, seria preciso mudar o sistema representativo, mas o que ela pode fazer se o Congresso Nacional - que é quem tem competência constitucional para fazer a reforma política - sempre a adia? A culpa seria do sistema, e subsidiariamente do Congresso. Já a presidente estaria isenta de responsabilidade no que se refere à corrupção.
Essa linha de raciocínio pretende vender também um mundo irreal. Agora, há muita corrupção. Mas, quando for feita a reforma política, tudo se ajeitará e o Brasil já não terá mais problemas desse tipo. Escapa-se, pensando assim, de um diagnóstico realista sobre o presente, oferecendo-se um mundo cor-de-rosa no futuro. E justifica-se a inação.
Pena que os fatos desmintam o raciocínio da presidente Dilma. O sistema político brasileiro é o mesmo de 20 anos atrás. No entanto, a corrupção expandiu-se exponencialmente nos últimos anos. Dessa simples constatação - da qual nem a presidente pode fugir -, surgem algumas perguntas. Se o sistema representativo não mudou nesse período, por que será que a corrupção aumentou tanto? Qual culpa tem o sistema representativo pelos desvios de dinheiro praticados por diretores da maior estatal brasileira? Aqueles que ocuparam ou ocupam cargos de responsabilidade na administração pública não têm nenhuma responsabilidade pelo escândalo do petrolão?
O sistema de representação precisa melhorar, e é um dever do Congresso Nacional fazer a tão esperada reforma política. Mas, seja qual sistema for, sempre haverá a possibilidade de corrupção. Isso não significa, no entanto, desistir de combater a corrupção, como parece insinuar a presidente. Significa que, mesmo agora, com uma representação política deficiente, é possível combater eficazmente a corrupção. A começar por não atribuir falsas causas à roubalheira. No caso presente, roubou-se desbragadamente não porque a isso o sistema político levou, mas porque políticos, funcionários e empreiteiros corruptos se reuniram para sangrar a Petrobrás e o Tesouro em benefício de um projeto de poder.
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