GAZETA DO POVO - PR - 02/08
Na criação musical, como na resolução dos impasses, imperioso retornar ao início – para retomar as primeiras ideias ou reverter os travamentos. Do laço ao nó a diferença é ínfima, a identificação deste início é crucial. Na peça musical retorna-se facilmente ao ponto de partida obedecendo ao comando da capo (ou à abreviatura, D.C.), anotado na partitura pelo compositor ou arranjador. Num contencioso, a localização da origem da desavença é mais complicada, já que as partes divergem até nisso. Daí a necessidade de negociadores atilados, desarmados de preconceitos, movidos pelo desejo de zerar conflitos.
O barril de pólvora no território da Palestina teve o seu pavio oficialmente aceso em novembro de 1947, quando a Assembleia Geral das Nações Unidas, presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha, depois de anos de pesquisas in loco, exaustivas manobras para adiar a votação, e diante da iminência de um banho de sangue, votou pela sua partilha em dois Estados soberanos.
A Resolução 181 foi aprovada por 33 votos (inclusive das superpotências EUA e URSS) contra 13, além de 10 abstenções; previa a retirada das tropas britânicas (potência mandatária a partir de 1919) até agosto do ano seguinte. Determinava a internacionalização de Jerusalém e recomendava a criação de uma federação dos dois Estados democráticos de direito, moeda única, unidade alfandegária e compartilhamento da infraestrutura visando um rápido desenvolvimento econômico.
Em maio seguinte, o Estado onde vivia a maior parte da população judaica foi proclamado com o nome de Estado de Israel. O Estado árabe não foi proclamado: os países vizinhos não reconheciam a decisão da ONU e preferiram a opção militar.
Conhecido o resto da história: 67 anos e oito devastadores conflitos militares depois, agora é a vez de Israel opor-se à implementação da Resolução 181 sob a alegação de que dentro do campo palestino há facções (como o Hamas) comprometidas com uma guerra santa para destruir o Estado de Israel.
França e Alemanha encontraram um meio mais racional, humanitário e inteligente para terminar um ciclo de três guerras (duas delas catástrofes mundiais) iniciado em 1870 e encerrado em 1945. Em 1951, assinaram o Tratado de Paris para desativar definitivamente a matriz dos litígios: a posse das minas de carvão e das usinas siderúrgicas nas regiões limítrofes. Encerrou-se o ciclo de guerras na Europa ocidental.
Toda disputa tem uma origem. O pomo (do latim pomus, fruta com caroço) da discórdia vem da Antiguidade: referia-se a uma maçã de ouro disputada por três lindas deusas gregas, o que, segundo a lenda, teria dado origem à Grande Guerra de Troia. No caso da Palestina, o pomo, capo, início, estaca zero, é uma partilha bem intencionada, legitimada pela comunidade internacional, que as sucessivas guerras tornaram injusta, cruel, deformada e incompleta.
Implementar a partilha é a única opção viável, não existe outra. Não depende de generais, nem de sacerdotes armados pelo ódio, depende apenas da vontade de experimentar a paz.
O resto (fronteiras, desocupação militar, desarmamento e cooperação) resolve-se com o mesmo cuidado e senso de justiça adotados em 1947 para evitar o horror – infelizmente consumado.
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