FOLHA DE SP - 14/08
Mesmo considerados os dilemas éticos envolvidos, é difícil criticar a Organização Mundial da Saúde por ter aprovado o uso de tratamentos não homologados na epidemia de ebola, a febre hemorrágica de origem viral que já matou mais de mil pessoas no oeste da África.
Como quase tudo no campo da bioética, decisões terapêuticas devem ser tomadas com base num cálculo que pese os benefícios reais e potenciais contra os riscos conhecidos e os apenas antevistos.
No caso específico do ZMapp, a droga que ficou sob os holofotes da mídia depois de ser ministrada a dois americanos, não há certeza quanto a nenhum termo dessa equação. Antes de ser dada a humanos, fora testada apenas em grupos muito pequenos de primatas.
Há pouco mais que a esperança, fundada em hipóteses teóricas, de que previna a infestação pelo patógeno e ajude quem contraiu a moléstia a recuperar-se.
Levando-se em conta que não existe tratamento próprio para o ebola e que a letalidade do vírus é de 60% no presente surto, tendo chegado a 90% em ocasiões anteriores, torna-se impraticável sustentar a necessidade de seguir os trâmites normais de licenciamento --que demandam anos de pesquisas-- antes de liberar o medicamento para uso humano.
O rito ordinário justifica-se quando existem alternativas eficientes ou quando o malefício provocado pela doença é limitado.
A OMS nem precisaria ter convocado especialistas para chegar a essa conclusão. Com bem menos alarde, a FDA, a agência de medicamentos dos EUA, já liberou duas drogas --o ZMapp e o TKM-Ebola-- para pacientes infectados.
Compreende-se, entretanto, que a OMS tenha optado por dar ampla visibilidade à decisão. Como os dois americanos que tomaram ZMapp parecem ter-se recuperado (embora não haja como afirmar que isso se deva ao medicamento), uma não autorização por certo prejudicaria a imagem da organização internacional.
Há certa teatralidade nesses atos. Existem no mundo 12 doses do ZMapp; nessa escala, mesmo se todos que tomassem a droga se curassem, não seria possível afirmar com certeza que ela funciona.
Ao menos por enquanto, os esforços para conter a epidemia dependem de medidas tradicionais, como tratamento sintomático, isolamento dos infectados e monitoramento das pessoas que estiveram em contato próximo com eles.
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