Oportunismo por parte das autoridades teve como finalidade descolar as derrotas contundentes do projeto de reeleição
O talento de Carlos Drummond de Andrade vai além da capacidade de transformar palavras em arte. Na semana passada, atordoado com os 7 x 1, reli a crônica “Perder, ganhar, viver”, publicada há 32 anos, na derrota do Brasil para a Itália, no Mundial de 1982. No texto, o poeta retratou a frustração que tomou conta do país, comparável à que nos envolveu agora, nas goleadas impostas por Alemanha e Holanda.
A respeito da reação dos políticos, Drummond escreve: “...Vi a decepção controlada do presidente, que se preparava, como torcedor número um do país, para viver o seu grande momento de euforia pessoal e nacional, depois de curtir tantas desilusões de governo; vi os candidatos do partido da situação aturdidos por um malogro que lhes roubava um trunfo poderoso para a campanha eleitoral; vi as oposições divididas, unificadas na mesma perplexidade diante da catástrofe que levará talvez o povo a se desencantar de tudo, inclusive das eleições...” Nada tão atual.
Horas depois do maior atropelo da seleção brasileira em cem anos, os políticos entraram em campo e jogaram para a arquibancada. A presidente da República deu entrevista à CNN sobre a necessidade de renovação do futebol brasileiro e concluiu que “o Brasil não pode mais continuar exportando jogador”, sem explicar como irá aprisionar as jovens revelações ou repatriar Neymar, Thiago Silva, David Luiz e outros. Pelo que imagino, será mais difícil do que congelar as tarifas de energia ou o preço da gasolina. O jornalista Franklin Martins, responsável por um dos blogs da campanha de Dilma, jogou no colo da CBF, de José Maria Marin e Ricardo Teixeira, a conta do vexame, mas exagerou na dose a ponto de a “chefa” reclamar do tom. O ministro do Esporte, Aldo Rebelo, defendeu “intervenção indireta”, mal explicada. O mais curioso é que essas propostas só agora tenham vindo à tona, apesar de o Ministério do Esporte existir desde 2003, inclusive tendo na sua estrutura, a partir de 2009, a Secretaria Especial de Futebol e Defesa dos Direitos do Torcedor.
Mudar as leis, porém, depende do Congresso Nacional e, nesse sentido, o projeto de lei original que lá se encontra é do deputado Vicente Cândido (PT/SP), por coincidência vice-presidente da Federação Paulista de Futebol para a região metropolitana e o ABCD. No bojo, muito mais sobre a anistia das dívidas fiscais bilionárias dos times de futebol do que sobre a responsabilização dos dirigentes e entidades esportivas. Cá entre nós, o surto de oportunismo por parte das autoridades governamentais teve como única finalidade descolar as derrotas contundentes da seleção do projeto de reeleição da candidata-presidente. Afinal, as mazelas do futebol brasileiro e a patota que o comanda são conhecidas há muitos anos.
Em 2001, a CPI da CBF-Nike, presidida justamente pelo então deputado Aldo Rebelo, desvendou esse esquema de grandes negócios que enriquece cartolas à custa da penúria dos clubes, transforma jogadores em mercadoria e destrói a seleção. No livro que escreveram sobre a CPI, os deputados Aldo e Silvio Torres entraram de sola na cúpula do futebol brasileiro:
“...São milhões de dólares que rolam em contratos obscuros e desaparecem. Quanto maiores os contratos, mais endividados ficam a CBF, as federações e os clubes, enquanto fortunas privadas formam-se rapidamente, administradas em paraísos fiscais de onde brotam mansões, iates, e se alimenta o poder de cooptação e de corrupção.”
Apesar dessas constatações, o que se viu nos últimos 13 anos foi mais do mesmo. Como as mudanças dependem do Congresso Nacional, que neste ano praticamente já encerrou as suas atividades em função das eleições, essa tal “reformulação do futebol brasileiro”, decorrente do “legado dos 7 x 1”, ficará para o próximo governo.
O importante, neste momento, é mudarmos o disco. Pior do que a seleção de Felipão é a conjuntura da economia. O crescimento econômico em 2014 será de 1%, se tanto. A inflação acumulada em 12 meses estourou o teto da meta de 6,5%, mesmo com os preços administrados represados. O déficit em conta-corrente (diferença entre importações e exportações de bens e serviços) acumulado até maio já alcança 4,3% do PIB. Sem as “mágicas contábeis”, o superávit primário (necessário para o pagamento dos juros da dívida pública) é nulo. Ao que parece, está na hora de realizarmos “a eleição das eleições”.
Desta forma, volto a Carlos Drummond de Andrade: “Foi-se a Copa? Não faz mal. Adeus chutes e sistemas. A gente pode, afinal, cuidar dos nossos problemas.”
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