"Vai ser uma festa", anunciou Marta Suplicy, ministra da Cultura, no lançamento do programa Brasil de Todas as Telas, que, segundo o governo, destinará R$ 1,2 bilhão ao setor audiovisual. Trata-se de uma peça publicitária de campanha eleitoral, evidenciando que o Planalto governa com slogans. Mas o pior não é isso. À surdina, introduziram mudanças significativas no modo de gastar o dinheiro do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que é quem vai bancar a festa.
Como habitualmente ocorre em peças de marketing eleitoral, os slogans são parcialmente verdadeiros. Do total, a maior parte já havia sido anunciada em dezembro do ano passado pelo Ministério da Cultura e pela Agência Nacional do Cinema (Ancine), quando houve o compromisso público de investir R$ 413 milhões na produção audiovisual em 2014 e R$ 310 milhões na digitalização e ampliação de salas de cinema. Os mesmos valores voltam agora a entrar na soma, numa manobra que evidencia como o governo tenta "engordar" suas realizações.
As promessas são dignas de uma campanha presidencial. Segundo o Planalto, o Brasil de Todas as Telas fomentará a produção de 300 longas-metragens, mais de 400 obras de TV, 2 mil horas de conteúdo para todas as plataformas de exibição, além de 450 projetos para cinema e TV e o estímulo de criação em todas as regiões do País.
O curta-metragem de lançamento do programa deixa nítido o objetivo eleitoral. Atribui, sem provar, todo o mérito do crescimento do setor audiovisual no Brasil ao governo do PT. O horizonte temporal de comparação é sempre 2002 e 2013, mostrando mais uma vez a obsessão do governo de olhar continuamente para o passado. Segundo o narrador da película, em 2002 foram lançados apenas 29 filmes brasileiros; já em 2013 se alcançou o patamar de 129. De 7,3 milhões de espectadores "passamos" para 27,8 milhões em 2013. E assim vai. Como pano de fundo do curta, são exibidas cenas de filmes brasileiros recentes, entre eles, o maior sucesso de bilheteria nacional, Tropa de Elite 2. A mensagem é clara: nada disso teria havido sem o PT. E ainda com direito a um "final feliz", num clichê já conhecido do público brasileiro. O espectador fica sabendo que "o governo federal está lançando hoje um programa sem precedentes na história do nosso país. (...) O futuro já está em cartaz".
Mas a felicidade dura pouco. No lançamento do programa, Dilma Rousseff e Marta Suplicy assinaram o Decreto 8.281, que modifica o anterior decreto de Lula, que regulamentava o uso do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Criado em 2006, o fundo tem o objetivo de fomentar o setor audiovisual brasileiro, e as suas receitas são oriundas de tributos aplicados ao próprio setor, especialmente da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine). Na prática, é o próprio setor financiando o seu fomento.
Uma importante regra do FSA é de que os seus recursos sejam utilizados principalmente em investimentos retornáveis ou em empréstimos reembolsáveis, mas o decreto ampliou as aplicações não reembolsáveis. Por exemplo, prevê-se agora a possibilidade de o FSA, sem qualquer contrapartida, dar "apoio financeiro a instituições públicas ou privadas, destinado à realização de projetos audiovisuais". Neste caso concreto, nem é preciso, segundo o decreto, um processo seletivo, bastando uma decisão do conselho gestor do fundo, cuja composição também foi alterada. Entre os novos membros incluídos pelo novo decreto está um "representante da Casa Civil da Presidência da República". O que fará ele aí? Será ele o censor ideológico? Ou o coordenador da campanha?
É de reconhecer que Marta Suplicy tem razão. O programa tem tudo para ser uma festa, para alguns. No entanto, a cultura pede mais do que festa. O setor audiovisual é decisivo para o País, e não deve ser tratado como mera propaganda eleitoral. Ainda mais quando, por debaixo dos panos, introduzem-se regras pouco republicanas. A cultura merece respeito. E transparência.
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