O Estado de S.Paulo - 20/04
"Foi um mau negócio." A sincera confissão feita no Senado pela presidente da Petrobrás, Maria das Graças Foster, sobre a aquisição da refinaria americana de Pasadena foi um ato de coragem, mas não suficiente para desfazer o enredo que deixa em lençóis sujos a empresa-símbolo do Brasil. Há que completar o processo deflagrado pela comandante Foster, tarefa que compete aos órgãos de controle e investigação, entre os quais Polícia Federal, Tribunal de Contas, Corregedoria-Geral e Advocacia da União, sob o olhar atento do Ministério Público.
A questão que remanesce é: depois de oito anos do ato consumado, com cabais demonstrações de prejuízos aos cofres do Tesouro e perdas para o bolso de milhares de investidores que adquiriram ações da empresa, quem será punido por transgressão ao ordenamento legal? Não importa se a CPI em discussão no Congresso Nacional e em análise pela Corte Suprema terá escopo restrito ou ampliado. Importa, sim, chegar às respostas objetivas que impliquem responsabilização de agentes, desmontagem de conluios entre a res publica e os negócios privados e a devida apenação de envolvidos.
Ao reforçar a abordagem da presidente Dilma Rousseff (que em 2006 presidia o Conselho da Petrobrás) de que a compra da refinaria se deu por ato falho, ou seja, pela não apresentação das cláusulas Put Option e Marlim pelo então diretor da Área Internacional Nestor Cerveró, Graça Foster foi fiel ao script recomendado pelo Palácio do Planalto, mas se obriga, para preservar a imagem técnica, a dar continuidade às investigações internas que mandou realizar. É imperiosa a resposta às indagações que correm pelos contingentes de formação de opinião e já chegam aos ouvidos periféricos.
Como é sabido, o balão da opinião pública começa a se encher com os ares insuflados de grupos do meio da pirâmide social e ganha volume com as ondas que, em círculos concêntricos, descem até às margens. A condição para desinflá-lo reside em respostas diretas sobre as responsabilidades dos gestores públicos. Daí a pergunta que se faz ao ex-diretor: por que a proposta apresentada omitiu - tanto no PowerPoint que usou quanto na exposição oral - cláusulas que obrigavam a Petrobrás a comprar a outra parte da unidade? Responde ele: porque eram irrelevantes.
Imaginemos a situação. Setembro de 2006, meia-noite na Avenida Paulista, em São Paulo. O coordenador do trânsito avança o sinal vermelho. Para se livrar de um carro que vinha velozmente de uma rua transversal derruba um poste de iluminação e acaba deixando sem luz o expressivo cartão-postal da maior metrópole do País. Dois anos depois, tomando conhecimento da ação intempestiva do servidor, o secretário dos Transportes transfere-o de posto. Não teria sido esse o enredo? Cerveró, ao deixar de lado cláusulas básicas para tornar viável a aquisição da refinaria, não estaria ultrapassando o sinal vermelho? Ou ele não viu nenhum sinal vermelho?
Alegar que a chamada cláusula Put Option é comum em contratos desse tipo parece bater de frente na disposição da então presidente do Conselho de Administração da Petrobrás de vetar a transação se soubesse de tal dispositivo, que regulava a saída do parceiro. A conta não fecha. Será que uma avenida vazia em plena madrugada (a Petrobrás sem muitos controles) teria aberto a brecha para um "desvio de atenção"? Teria sido por excesso de confiança (achar que tudo era sabido) que decidiu fazer o que fez e como fez? O ex-diretor garante não saber com certeza se o conselho recebeu toda a documentação sobre a compra. Como gestor público, sabe quais procedimentos motivam dolo, incúria, inépcia, desleixo. Teria havido isso na Petrobrás? As investigações vão mostrar.
O caso remete a uma reflexão sobre as teias de interesses que se multiplicam na administração pública. Os desvios, veredas escuras e teias de corrupção que agem nos intestinos das estruturas públicas, nas três instâncias federativas, produzem o monumental PIB do desperdício. Sob outro olhar, são utilizados também para encher os cofres de Tios Patinhas e agregados que se espalham por territórios partidários, a serem usados nos múltiplos projetos de poder, alguns a perder de vista, de tão longevos.
O desconsolo é constatar que o discurso de "choque de gestão", "renovação de métodos", "meritocracia", de tão banalizado, não chega a sensibilizar a numerosa categoria dos gestores públicos. Não se criaram no País meios para implementar uma gestão moderna, racional, sob critérios de metas, resultados, eficiência e eficácia. A cada ciclo governativo as máquinas administrativas, ao contrário da tendência de racionalização e enxugamento, são inchadas e encharcadas pela representação feudal de partidos e grupos. O lema de lorde Acton ressurge esplendoroso em nossas plagas: "O poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente".
Ora, na antevéspera de um pleito eleitoral que tende a ser um dos mais contundentes de nossa História, em função da forte expressão que emerge dos mais diferentes grupos da sociedade, um grande bem que os candidatos fariam seria o compromisso com uma profunda reforma no campo da administração. Que deveria abrigar os territórios técnicos, imexíveis pelos comandos políticos; a adoção de critérios de mérito e qualidade no aproveitamento de quadros; a transparência absoluta de contas e processos de licitação; a demissão sumária de dirigentes de empresas e autarquias flagrados em ilícitos, com o respectivo processo de apuração; a abertura de canais com os consumidores e facilitação de acesso às investigações da mídia, entre outros aspectos. Não é mais possível conviver com a mania de jogar a sujeira para debaixo do tapete. O ciclo da gestão eficaz pode ser aberto com a adoção do costume de reconhecer o erro. E acabar com a mistificação.
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